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Com obstáculos à atuação da polícia, roubo de cargas vira bola da vez para facções do RJ
Restrições criadas pelo STF à entrada da polícia em comunidades do Rio de Janeiro fez com que quadrilhas intensificassem o foco no roubo de cargas| Foto: Tomaz Silva/Agência Brasil

Resumo desta reportagem:

  • Restrições às operações policiais em comunidades do Rio de Janeiro, impostas pelo STF e em vigência desde 2020, têm aumentado drasticamente a violência nas rodovias do estado.
  • Quadrilhas ligadas ao tráfico têm aproveitado os obstáculos para a polícia entrar nas favelas para assaltar caminhões e levá-los para dentro das comunidades para descarregar toneladas de cargas.
  • Os grupos criminosos já contam com verdadeiros centros de distribuição e estrutura “profissional” de logística dentro das favelas, cada vez mais blindadas contra o ingresso da polícia.
  • Em maio, três entidades de grande porte de setores econômicos impactados pelos roubos de cargas pediram ingresso na ação que tramita no STF para pedir que ministros reconsiderem medidas, consideradas caóticas à segurança pública.

O agravamento do cenário de violência nas rodovias que cruzam o Rio de Janeiro não é novidade: casos de roubos de cargas são contados aos milhares a cada ano. Apesar disso, nos últimos três anos – que coincidem com as restrições às operações policiais no estado impostas pelo Supremo Tribunal Federal (STF) – o modo de operação dos criminosos tem mudado, o que vem ocasionando prejuízos diversos à segurança pública e à economia fluminense.

Quadrilhas especializadas nesse tipo de roubo, ligadas ao narcotráfico, têm aproveitado das restrições ao ingresso da polícia nas comunidades para assaltar caminhões e levar os veículos para dentro das favelas a fim de descarregar as mercadorias. Mesmo com o flagrante, as forças de segurança do estado enfrentam indefinições diversas para adentrarem os locais, com receio de retaliações judiciais.

Se a mercadoria interessa às quadrilhas, é cobrado um valor de “resgate” para devolver os caminhões. Se não interessa, uma quantia mais expressiva é cobrada para devolver os veículos junto com o carregamento. Já os motoristas passam por profundo estresse psicológico ao serem levados para dentro das comunidades como reféns pelas quadrilhas.

Para fazer frente ao avanço dos crimes, nas últimas semanas três grandes entidades representativas da indústria, do comércio e do transporte de cargas do Rio de Janeiro protocolaram pedidos ao STF para ingressarem como “amigos da Corte” no processo que trata da restrição às operações policiais. Nas petições, a Federação das Indústrias do Rio de Janeiro (Firjan), o Sindicato das Empresas de Transporte Rodoviário de Cargas e Logística do Rio de Janeiro (Sindicarga) e a Associação de Atacadistas e Distribuidores do Estado do Rio de Janeiro (Aderj) afirmam que as restrições à atividade policial impostas pelos ministros são diretamente responsáveis pelo impacto nos roubos de cargas nas rodovias.

Nos próximos dias, ao menos duas outras instituições ligadas a setores impactados pelas medidas também devem solicitar ingresso com o objetivo de levar ao Tribunal dados para orientar as decisões. Atualmente a maior parte das entidades que integram a ação é composta por ONGs e partidos políticos como PT e PSB, que apoiam o esvaziamento da presença policial nas comunidades fluminenses, dominadas pelo crime organizado.

Com brechas criadas pelo Judiciário, facções criaram estrutura “profissional” de logística dentro das favelas

Conforme explica Alexandre Ayres, secretário-geral e diretor jurídico do Sindicarga, apesar de os registros de roubos de cargas passarem por redução nos últimos anos, a profissionalização das quadrilhas tem gerado uma migração de ataques mais numerosos a pequenos veículos transportadores para ofensivas de grandes portes a caminhões com toneladas em cargas. “Isso passou a ser mais interessante até mesmo do que o tráfico de drogas. Roubam uma carreta, vendem esse material por 50% a menos e em poucas horas têm centenas de milhares de reais no bolso”, diz Ayres. 

A presença de viaturas policiais nas rodovias aumentou nos últimos. Apesar disso, as quadrilhas encontram brechas para os ataques, que contam com batedores em motocicletas, carros de apoio com criminosos armados com fuzis e uso de bloqueadores de sinal para retirar os caminhões do controle eletrônico de frota.

“Hoje já existem centros de distribuição dentro das favelas. São áreas de controle logístico com empilhadeiras, caminhões munck, acondicionamento, prateleiras, galpões, funcionários. Os criminosos sabem que não podem ser incomodados nesses locais, aí roubam um caminhão com toneladas de polipropileno, por exemplo, organizam nesse lugar e vão vendendo aos poucos”, diz o porta-voz do Sindicarga.

Como efeito das mudanças no modus operandi dos criminosos, apesar do menor número de registros de roubos o Sindicarga calcula que os prejuízos econômicos com a perda das cargas cheguem a ser até 20 vezes maiores do que em anos anteriores. “Ainda que as delegacias descubram o roubo, não conseguem entrar nas favelas com rapidez, porque é proibido fazer operação sem avisar previamente. Muitas vezes quando entram conseguem recuperar o caminhão, mas a carga já foi transbordada há tempos”, diz Ayres.

Em alguns trechos de rodovias, aumento dos roubos de carga em um ano foi de 70%

Levantamento divulgado em março pela Firjan, que é a segunda maior federação patronal do país, mostra que o roubo de cargas causou prejuízo de R$ 388 milhões para o Rio de Janeiro somente no ano passado – a média é de 12 ocorrências por dia. Segundo a Federação, em todo o ano foram registrados mais de 4,2 mil roubos. O aumento dos crimes motivou um protesto, no último dia 15, com cerca de 400 motoristas de caminhão e empresários do setor, que denunciavam o aumento da ocorrência dos delitos.

Com o início das restrições impostas pelo STF, as operações policiais passaram a poder ser feitas somente em casos de “absoluta excepcionalidade” e mediante justificativa prévia ao Ministério Público do estado. Segundo a Aderj, como consequência da criação de obstáculos à presença das forças de segurança nas comunidades “houve diminuição das operações policiais principalmente em áreas de risco, as quais estão localizadas perto das principais rodovias do Estado, onde transitam os caminhões que transportam as mercadorias”, diz a entidade.

Já a Firjan, em sua manifestação ao STF, mostrou que há regiões que registram aumento expressivo desses crimes, com destaque para o entorno do Porto do Rio, que registrou aumento de 70% do crime em 2022, e também de Duque de Caxias, que marcou acréscimo de 43% no período, registrando média de um roubo por dia ao longo do ano. A entidade sustentou que o cenário dramático nas rodovias demonstra que ao invés de reduzir as operações policiais no estado, estas deveriam ser aumentadas especialmente em regiões-chave que acumulam a maior parte dos crimes.

Termo vago usado por ministro deixa policiais sem segurança jurídica para agir

Um dos principais pontos de críticas das entidades é o caráter vago com que o ministro Fachin, relator do processo, descreveu as condições para que as operações sejam realizadas. Ao ordenar as restrições, o ministro ressaltou que as operações são possíveis apenas em "hipóteses absolutamente excepcionais", sem especificar o que configuram essas hipóteses.

Para as entidades, a medida deixa as polícias em situação de ampla insegurança jurídica para agir. Trecho da petição do Sindicarga afirma que a expressão “acabou se mostrando como um conceito jurídico indeterminado, ao passo que cada executor da ordem compreende a expressão de uma forma diferente.” As petições solicitam que Fachin esclareça se o termo “absolutamente excepcional” se aplica a todos os casos de flagrância – o que facilitaria reações rápidas da polícia para reaver os caminhões e as cargas ao identificar a prática dos crimes.

Para Alexandre Ayres, os impactos significativos ao estado, tanto econômicos quanto em termos de segurança pública, demandam que os ministros modifiquem os termos das restrições com urgência. “Queremos demonstrar aos ministros o que realmente acontece no Rio de Janeiro. Além da violência em si com os roubos de carga, temos um grande número de empresários indo embora daqui, e com isso estamos perdendo empregos. Os seguros não estão mais cobrindo cargas no Rio de Janeiro, e as perdas com os roubos atingem diretamente os preços dos produtos no mercado”, lamenta.

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