
À beira de um colapso. Esse é o termo escolhido por especialistas e administradores para definir a situação das Santas Casas no país. Responsáveis por 40% dos atendimentos no Sistema Único de Saúde (SUS), esses hospitais atuam hoje com um déficit em caixa da ordem de R$ 5 bilhões. Últimos dados da Confederação das Santas Casas de Misericórdia, Hospitais e Entidades Filantrópicas (CMB) mostram que o custo das Santas Casas foi de cerca de R$12 bilhões em 2009, contra um repasse de pouco mais de R$ 7 bilhões pelo SUS. Em geral, as verbas cobrem somente 60% dos gastos. Em pequenas cidades, a situação é ainda mais complicada, diz a confederação. Enquanto em Santas Casas de referência (geralmente, em cidades maiores) paga-se R$ 65 para um procedimento que custa R$ 100, em hospitais pequenos o valor é de meio a meio entre SUS e hospital. "À medida que a complexidade é menor, o SUS paga menos. Os hospitais interioranos têm sofrido muito", diz o superintendente da CMB, José Luiz Spigolon. De acordo com ele, reuniões realizadas pela confederação em estados do Nordeste, por exemplo, apontaram que, se não houver mudança na forma de remuneração, metade tende a fechar as portas nos próximos dois anos.
Para sobreviver, Santas Casas de municípios como Palmeira, na Região Central do estado, fazem campanhas com a comunidade e aceitam até doações de feijão e batatinha é comum agricultores chegarem à recepção e deixarem os mantimentos. "Como é cidade do interior, volta e meia passa algum produtor e pergunta se precisamos de um saco de feijão, se queremos batatinha. Costumamos aceitar tudo, já que até dinheiro para a comida tem sido difícil", conta o administrador Jair Agottani Stadler.
Contratualização
Ele reclama de um sistema implementado pelo SUS chamado contratualização, que tem uma série de exigências que precisam ser cumpridas para que o hospital receba a verba integral do mês R$ 50 mil, no caso das Santas Casas do interior. As falhas acarretam em perda de pontos e diminuição dos recursos. "Todo mês somos chamados pela Regional de Ponta Grossa para justificar cada ponto. Tem coisas absurdas. Temos uma caixa de reclamações e, se ela não é aberta todo o mês, os pontos caem. Isso é uma hipocrisia do governo. Tudo aumentando e eles tirando [a verba]. Não tem muito o que dizer", desabafa.
De acordo com o Ministério da Saúde, esse sistema visa melhorar a administração e o controle de gastos. O órgão informa ainda que o repasse de recursos para as Santas Casas no país cresceu 63% desde 2004.
Hoje, a Santa Casa de Palmeira recebe uma verba mensal de R$ 33 mil do governo federal, que cobre apenas a folha de pagamento dos 40 funcionários os 25 médicos atuam de forma autônoma. "A nossa arrecadação como particular é pouca, arrecada R$ 10 mil. A prefeitura ajuda com R$ 4,5 mil, o que não chega a ser verba, e sim uma esmola. Ajuda, mas é muito pouco", afirma Stadler. O hospital acabou pedindo socorro. Fez um projeto para torná-lo autossustentável e pediu ajuda da comunidade, promovendo bingos e campanhas para doação de remédios. O dinheiro servirá para comprar um aparelho de raio X, que está sem funcionar desde o ano passado.
Em Irati, no Centro-Sul do estado, a Santa Casa acumula dívidas de R$ 800 mil e sofre por ser o único hospital de referência na região, o que ocasiona desestruturação da rede básica de saúde dos nove municípios atendidos. Segundo o administrador Claudemir Andrighi, por não receberem um primeiro atendimento de qualidade, os pacientes chegam em casos críticos, que demandam internações longas e uso de unidades de terapia intensiva (UTIs). Com isso, o doente se torna caro e o dinheiro recebido do SUS não cobre os gastos.
Tabela
O presidente da CMB, José Reinaldo Nogueira de Oliveira Júnior, afirma que a tabela para procedimentos e consultas do SUS está defasada. Enquanto o governo paga R$ 10 por uma consulta médica, operadoras de saúde remuneram R$ 35. Partos, que custam em média R$ 700, têm repasse de R$ 300. "Por mais competente que seja a administração, há déficit. Muitas Santas Casas têm dilapidado o seu patrimônio para continuar o atendimento. Só não estão na UTI porque não tem vaga".
Para a professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro e vice-presidente da Associação Brasileira de Pós-Graduação em Saúde Coletiva, Ligia Bahia, uma das soluções para melhorar os valores da tabela SUS é fazer uma regulamentação de preços. Segundo ela, não é viável que o governo repasse R$ 2 mil para uma internação enquanto hospitais privados cobram até R$ 15 mil. "O preço do privado deve ser achatado. Esses valores são completamente desfavoráveis à melhoria da saúde pública", analisa.
Colaborou Mariana Scoz
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