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Blindagem institucional

Silêncio de autoridades sobre STF e Banco Master expõe normalização de práticas questionáveis

Apesar da sequência de condutas questionáveis por parte de ministros do STF, alta cúpula dos outros poderes permanecem em silêncio, sem emitir qualquer posicionamento sobre o ocorrido. (Foto: Montagem: Kayo Magalhães / Câmara dos Deputados; Jefferson Rudy/Agência Senado; Fabio Rodrigues-Pozzebom/ Agência Brasil)

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A ausência de reação por parte dos chefes dos Poderes e dirigentes de órgãos de controle, como a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), diante de episódios controversos envolvendo ministros do Supremo Tribunal Federal evidencia, no mínimo, a naturalização de condutas irregulares.

O ministro Dias Toffoli avocou para si a investigação sobre o Banco Master e impôs sigilo absoluto ao processo, impedindo que imprensa e cidadãos tenham acesso a qualquer informação sobre o caso. A polêmica ganhou força após vir à tona a informação que o ministro viajou, em um jato particular, ao lado do advogado de um dos investigados. O itinerário tinha como destino Lima, capital do Peru, para assistir à final da Libertadores.

Outro movimento suspeito de Toffoli foi a retirada de dados da quebra de sigilo de Daniel Vorcaro, dono do banco, da CPMI do INSS. Segundo o senador Carlos Viana (Podemos-MG), presidente da comissão, o ministro determinou que as informações enviadas ao colegiado fossem recolhidas e armazenadas apenas na Presidência do Senado.

O ministro Alexandre de Moraes também aparece em situação altamente suspeita com relação à instituição financeira. De acordo com o Jornal O Globo, o escritório de advocacia da esposa de Moraes firmou um contrato com o Banco Master no valor de R$ 129 milhões. O acordo previa serviço de assessoria e consultoria jurídicas com pagamento mensal de R$ 3,6 milhões até 2027, independentemente dos resultados obtidos pelo escritório de Viviane Barci de Moraes.

Apesar da sequência de condutas questionáveis por parte de ministros do STF, figuras importantes – como os presidentes Lula; Davi Alcolumbre (União-AP), do Senado; e Hugo Motta (Republicano-PB), da Câmara – permaneceram em silêncio, sem emitir qualquer posicionamento sobre o ocorrido. A OAB, entidade que se coloca como guardiã do Estado de Direito e que tem papel ativo na defesa de padrões éticos, especialmente de agentes do Direito como juízes e advogados, também não se manifestou.

Ausência de cobrança de esclarecimentos de ministros do STF é blindagem institucional

Para Sara Clem, mestre em Ciência Política e pesquisadora do Instituto Sivis, essa omissão releva um padrão de corporativismo. “O que vemos é que as autoridades têm evitado confrontos que possam desestabilizar acordos informais, fruto de alianças políticas. Presidentes do Legislativo e do Executivo se calam diante de fatos tão preocupantes, não necessariamente discordando das críticas, mas sem querer pagar o custo político de se posicionar, o que gera uma blindagem institucional”, analisa.

A especialista explica que esse comportamento é perigoso para a democracia. “Esse é um padrão perigoso que cria uma postura implícita de que determinadas autoridades estão acima do escrutínio público. Isso corrói a democracia e mina a confiança da população em relação às instituições democráticas”, complementa.

Autoridades não cobram transparência de condutas suspeitas

Em relação à postura do presidente da República, Clem defende que caberia a Lula proteger a credibilidade institucional do país. “O presidente Lula não é apenas um espectador neutro. Quando há suspeitas que afetam a confiança no sistema judiciário, no sistema financeiro e na própria democracia, espera-se que haja da parte do presidente uma defesa clara do interesse público”, avalia.

No Congresso, apenas alguns deputados e senadores questionaram, individualmente, os ministros do STF. O silêncio de Alcolumbre e Motta, no entanto, preocupa, pois são figuras que não falam apenas como parlamentares, mas como chefes institucionais do Poder Legislativo.

Bruno Coletto, doutor em Direito pela UFRGS e cientista político, destaca a importância do papel constitucional de fiscalização do Poder. “Constitucionalmente, além de legislar, é função do Legislativo fiscalizar os demais poderes. O Legislativo é o órgão naturalmente mais democrático e transparente, dada sua natureza colegiada e plural. Portanto, em casos graves como esses, deve agir”, destaca.

A interferência indevida do STF no trabalho da CPMI do INSS amplia a necessidade de contestação pública, já que a conduta de Toffoli fere a separação dos poderes e o princípio da publicidade. Amparada pela Constituição Federal, a publicidade garante a transparência de atos do Poder Público.

“Em uma república democrática, a publicidade, naturalmente, é a regra. A exceção, que é o sigilo, deve ser bem fundamentada e usada com extrema parcimônia. Casos de grande repercussão não se restringem apenas ao âmbito jurídico, mas afetam toda configuração da política no espaço público. Nesses contextos, a publicidade é ainda mais inerente”, afirma Coletto.

Diante do silêncio, papel da imprensa é fundamental para questionar incoerências

Com a omissão das autoridades na exigência de transparência, a sociedade civil, a imprensa e os cidadãos, tornam-se ainda mais fundamentais para o debate democrático.

“O objetivo da imprensa, mais do que noticiar fatos isolados, é justamente conectar pontos, contextualizar as relações de poder e questionar incoerências. Mesmo quando as autoridades não querem que isso apareça no noticiário”, explica Clem.

Clem ainda aponta como a liberdade de imprensa é fundamental em uma sociedade forte. “Essas investigações jornalísticas, muitas vezes, são o único mecanismo real de fiscalização, quando esses controles institucionais – de freio e contrapesos – não funcionam. A promoção e a defesa da liberdade de imprensa e de expressão são essenciais para o funcionamento da democracia”, conclui

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