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O carioca Mário Rubens (à direita) desistiu do próprio sonho e agora é “tio gelol” do sobrinho. | Gustavo Miranda / Agência O Globo
O carioca Mário Rubens (à direita) desistiu do próprio sonho e agora é “tio gelol” do sobrinho.| Foto: Gustavo Miranda / Agência O Globo

A chuva artificial encharca o campo de futebol, mas o menino Mário Rubens não liga. Aos nove anos, não imaginava que um dia seria protagonista de um comercial de tevê, fazendo o que mais gosta. Se sente feliz. Corre o ano de 1985 e a propaganda da pomada Gelol populariza a frase “Não basta ser pai, tem que participar”. No anúncio, Mário se machuca durante uma partida. O pai, desesperado e zeloso, entra correndo no campo para acudir o filho com uma massagem. Segundos depois, o garoto está pronto para bater o pênalti. É gol. O sucesso é tão grande — a propaganda ficou quatro anos no ar —, que o ‘pai coruja’ se transforma em “pai gelol”, e o termo vira sinônimo de candidatos a pais de craques.

Trinta anos depois, as memórias daquele dia são remotas na cabeça de Mário. Uma das lembranças mais fortes é a presença da mãe e dos irmãos na arquibancada. O pai não estava lá. Não era, nem nunca seria, presente na vida do filho. Sozinho, então, alimentou o desejo de ser tornar um grande jogador de futebol.

“Era o meu sonho. Naquela época, jogava futebol de salão no Grajaú Tênis Clube. Depois, passei um tempo em Fortaleza e, quando voltei para o Rio, passei num teste no América. Joguei na categoria de base de 1989 a 1994 e ganhei alguns campeonatos, entre eles dois Cariocas. Foi um período de adolescente vencedor”, conta Mário, aos 39 anos.

Mas realizar o sonho não era fácil. Sétimo de dez filhos, vivia com a família na Favela do Rato, no Sampaio. Era tão pobre, que, muitas vezes, passava o dia com bolinho de chuva no estômago. “Era o nosso ‘mata fome’. Uma mistura de farinha de trigo com ovo batido”, conta. Com 14 anos, teve desnutrição.

Com o tempo, as dificuldades se impuseram. Aos 16, passou a dividir o dia entre o trabalho como office boy, os treinos e as aulas noturnas na escola pública. Com 20, desistiu do futebol e foi trabalhar em uma joalheria.

“O futebol é uma caixinha de surpresas. Chega uma hora em que a gente tem que optar por estudar, trabalhar e vencer na vida. Ou você vira atleta profissional ou ganha pouco. Hoje, uma minoria ganha dinheiro. A minha decisão me trouxe uma frustração. Mas não sei até que ponto valia a pena o esforço”, comenta.

Para compensar, no ano 2000, Rubinho abriu um boteco na Praça da Bandeira, na zona norte do Rio. Nas paredes, bandeiras de times de futebol e fotos de grandes ídolos do esporte descortinavam sua paixão. Quinze anos depois, o local se transformou em restaurante a quilo. A decoração é a mesma. As prateleiras acolhem réplicas da taça Julies Rimet e bonequinhos vestidos com camisas dos times enfeitam a mesinha da entrada, onde é feito o pagamento.

Rubinho se considera profissionalmente realizado. E, no que se refere ao futebol, aposta suas fichas no sobrinho Breno Calvelo, de 16 anos. Assim como o tio, o jovem sonha em ser jogador de futebol. Assim como o tio, não tem um pai presente. E, assim como o tio, teve que abrir mão dos treinos na Portuguesa, onde fez um teste e passou. Mas, ao que tudo indica, é momentâneo. “Faço por ele o que não fizeram por mim. Afinal, não basta ser tio, tem que participar.

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