Empossada neste domingo (1º), a socióloga Nísia Trindade, de 64 anos, comandará o Ministério da Saúde durante o novo mandato de Luiz Inácio Lula da Silva (PT). A nova ministra exercia até então o cargo de presidente da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), função que ocupava desde 2017. Apesar de ser alocada na pasta de Saúde, a ministra não tem formação acadêmica na área: ela possui graduação e doutorado em Sociologia, com mestrado em Ciência Política.
A escolha de Nísia, que tem um histórico de ligação com o Partido dos Trabalhadores (PT) e movimentos sociais alinhados à militância de esquerda, mantém a fórmula de Lula usada para a definição da maioria dos seus ministros, com prioridade ao alinhamento ideológico ao petismo.
Na cerimônia de apresentação da nova gestão do ministério, que aconteceu nesta segunda-feira (2), a ministra disse que seu mandato será pautado pela ciência e pelo diálogo com a comunidade científica e apresentou alguns dos objetivos à frente da pasta, como o fortalecimento do Sistema Único de Saúde (SUS) e o aumento da produção de vacinas e fármacos no país.
Em seu primeiro discurso, Nísia Trindade deixou explícito que atuará em defesa dos direitos sexuais e reprodutivos, isto é, a favor da legalização do aborto pelo SUS, uma antiga demanda do PT e outros partidos de esquerda.
Ela também declarou que pretende revogar uma série de decretos publicados durante o governo de Jair Bolsonaro (PL), inclusive a nota técnica do Ministério da Saúde que alertava sobre os riscos do aborto. Segundo ela, as portarias e normas a serem revogadas “ofendem a ciência, os direitos humanos, os direitos sexuais e reprodutivos e transformaram várias posições do Ministério da Saúde em uma agenda conservadora e negacionista”.
Entre os secretários escolhidos pela ministra estão Ana Estela Haddad, esposa de Fernando Haddad (PT), nomeado ministro da Fazenda. Entre os demais secretários, vários são militantes e quatro dos oito escolhidos fizeram doações financeiras para Lula e outros candidatos petistas durante a campanha eleitoral de 2022.
Quem é Nísia Trindade
Durante o período em que esteve como presidente da Fiocruz, Nísia coordenou as ações da instituição no enfrentamento da pandemia da Covid-19 no Brasil. Entre as ações desenvolvidas sob sua gestão estão a criação do Observatório Covid-19, rede transdisciplinar que sistematiza dados epidemiológicos; a monitoração e divulgação de informações sobre a crise de saúde para subsidiar políticas públicas e a produção de vacinas contra a Covid-19 desenvolvida pela Universidade de Oxford em acordo com a farmacêutica AstraZeneca.
Antes disso, a nova ministra foi diretora da Casa de Oswaldo Cruz (entre 1998 e 2005), unidade da Fiocruz voltada para pesquisa e memória em ciências sociais e história e saúde, e participou da elaboração do Museu da Vida, o museu de ciência da Fiocruz.
Desde antes de sua gestão, e permanecendo durante o período em que esteve à frente, a Fiocruz é denunciada pela atuação ideológica e partidária do seu comando. Um dos projetos mantidos pela fundação, o Agenda Jovem Fiocruz, é conduzido em parceria com o Levante Popular da Juventude, uma organização abertamente marxista. Em 2021, as duas entidades abriram um edital para, juntas, publicarem um livro.
O relatório final de um dos recentes congressos internos da entidade, já sob a gestão de Nísia Trindade, traz críticas ao “neoliberalismo” e ao “capital rentista” e lamenta o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff (PT) e a política fiscal do governo Michel Temer: “Após anos de fortalecimento da democracia e das instituições democráticas, o país viveu a interrupção de um mandato presidencial eleito pela maioria e, em seguida, a radicalização de um programa de governo focado no ajuste fiscal”, além de criticar “o avanço de projetos neoliberais” mundo afora. O último relatório, divulgado no ano passado após o congresso interno mais recente, também é permeado de críticas políticas veladas.
Superfaturamento milionário na Fiocruz
Segundo a segundo a Controladoria-Geral da União (CGU), sob a gestão da nova ministra à frente da Fiocruz houve superfaturamento de 13,6 milhões de reais em despesas de pessoal e na compra de materiais ao longo de 2020, primeiro ano da crise de saúde.
O relatório do órgão aponta que R$ 12,9 milhões foram superfaturados na importação de ventiladores pulmonares e aventais. Como exemplo, a fundação comprou 14 ventiladores de transporte por R$ 135 mil cada. Conforme citado no relatório da Controladoria, o mesmo equipamento poderia ser adquirido por R$ 52,8 mil em média, ou seja, menos da metade do preço. Da mesma forma, foram adquiridos 300 mil aventais no valor de R$ 57 cada – o valor de referência do produto, segundo a CGU, era de R$ 18 na época.
Em resposta, a Fiocruz alegou que houve dificuldade de obter preços de referência frente ao cenário inicial da pandemia. O argumento não foi aceito pela Controladoria. “Deve-se lembrar que as Unidades que adquiriram itens por valores inferiores enfrentaram as mesmas dificuldades e conseguiram adquirir os itens por menores valores”, declarou a CGU.
O órgão de controle também concluiu que salários de técnicos de enfermagem foram superfaturados em ao menos R$ 1,7 milhão entre maio e outubro de 2020 e, por fim, que houve irregularidades na construção do Centro Hospitalar da Fiocruz, no início da crise de saúde. Não houve sequer estimativas de demanda e de impacto orçamentário-financeiro para a construção da unidade, que recebeu o nome de Centro Hospitalar para a Pandemia de Covid-19 e foi construída ao custo de R$ 140 milhões.
“A decisão de construir uma estrutura permanente não foi baseada em avaliação formal e criteriosa de custo versus benefício, não foi acompanhada da indicação de orçamento para manutenção do hospital, nem de estudo técnico que demonstre que há demanda futura suficiente para um hospital, com essa capacidade, voltado para o tratamento de doenças infectocontagiosas”, pontuou a CGU no relatório.
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