Todos os dias, os hospitais de Curitiba e região metropolitana recebem pelo menos três vítimas de um tipo de crime pouco considerado nas estatísticas de violência as que sofreram ferimentos leves ou graves por armas de fogo e armas brancas, como facas. Essas pessoas fazem parte do contexto que leva a homicídios, mas é como se não fizessem. O resultado é evidente: se fossem somados mortos e feridos, o quadro ficaria muito mais assustador.
Índices paralelos aos da segurança pública comprovam o problema. De acordo com os boletins do Corpo de Bombeiros, nos últimos quatro meses o serviço 193 foi acionado 545 vezes para atender vítimas de tiros e facadas na capital. Destes, 372 eram vítimas com ferimentos leves e graves, o que equivale a 68% do total. Ou seja, mais da metade.
Não é tudo. Até o dia 28 deste mês, 74 vítimas por arma de fogo e arma branca foram removidos pelo Siate pelas centrais de Curitiba, Araucária, Fazenda Rio Grande e São José dos Pinhais. Segundo boletins do Instituto Médico Legal, apenas um desses socorridos morreu no hospital.
Esses e outros dados são fortes indicativos de que há uma violência não contabilizada. De janeiro a outubro deste ano, os três principais hospitais curitibanos no atendimento a emergências Do Trabalhador, Evangélico e Cajuru socorreram 1.442 pessoas com ferimentos por arma de fogo e arma branca, considerando que o número deve ser maior, já que o Trabalhador não computa ferimentos por facas e quetais. No mesmo período, o número de mortos chegou a 1.468 ou seja, os dois índices praticamente equivalem.
Ano passado não foi diferente. Levantamentos feitos nas três instituições mostram que o número de vítimas ultrapassou o de mortos. Somando tudo, foram 1.891 atendimentos hospitalares, sendo que o Trabalhador não contabiliza arma branca. Em paralelo, os boletins do Instituto Médico Legal apontaram 1.685 mortos, conforme levantamento realizado mensalmente pela Gazeta do Povo.
As informações são relevantes. Mesmo assim, o Mapa da Violência, publicado pela Secretaria de Estado de Segurança, não informa tentativas de homicídio, o que implica num apagamento desse dado no conjunto das políticas públicas para o setor. A medida vai na contramão de critérios internacionais. Numa guerra, por exemplo, a proporção é de um morto para cada três feridos.
Saúde paga a conta
Para o médico Francisco Assis Pereira Filho, diretor técnico do Hospital do Trabalhador, os custos com as vítimas de arma branca e armas de fogo extrapolam a capacidade técnica das instituições de saúde. Ele lembra que a maioria dos feridos é economicamente ativa e que tende a ficar afastada do trabalho por até dois anos. Não raro, a gravidade da agressão gera sequelas e a incapacidade dos chefes de família para cuidar dos seus. "Diante do quadro, deduzo que a violência interpessoal não deve ser encarada como um problema de saúde pública, mas de segurança", comenta o médico.
O cirurgião-geral Carlos Naufel Júnior, do Hospital Evangélico, afirma que, por semana, no pronto-atendimento, são recebidos de 12 a 15 feridos por arma de fogo e arma branca: 90% dos casos necessitam de cirurgia. O perfil das vítimas é de homens, entre 15 e 25 anos, atingidos principalmente na região do tórax e do abdome, com uma média de três a quatro perfurações. "Aumentou muito a incidência de feridos, igualmente como o de usuários de crack", afirma. Na opinião de Naufel, 90% das ocorrências estão ligadas ao tráfico ou ao uso de drogas.
Questão nacional
Dados do Ministério da Saúde informam que de janeiro a agosto de 2010 foram gastos R$ 6.345.908 com internação de 5.363 feridos por arma de fogo e arma branca. O número se refere a despesas de hospitais públicos.
Os índices nacionais apontam que as tentativas de homicídio são de 20% a 30% maiores do que as mortes violentas e confirmam os dados obtidos em Curitiba e região metropolitana. "Mas ainda são números baixos", reforça o sociólogo Júlio Jacobo Waiselfisz, para quem há morosidade das autoridades em considerar as diversas camadas da violência.
Waiselfisz, que é coordenador do Mapa da Violência 2010. Anatomia dos Homicídios no Brasil, acredita que o números de feridos seja muito maior do que os apresentados nas estatísticas da saúde. "Em incidentes violentos, há muita subnotificação. O paciente vítima de arma de fogo pode acabar virando um número na internação por trauma".
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