• Carregando...
 |
| Foto:

O casalzinho recém-formado conversava com um grupo de amigos, dele e dela, e combinava um programa para o fim de semana. Queriam ver um show, ouvir boa música. Ela reclama: "só tem o show de sertanejo!". Qual sertanejo?, alguém pergunta. E ela, impávida: "Aquela dupla, Kleiton e Kledir". Metade da turma caiu na gargalhada, metade fez cara de quem não entendeu qual era a graça. Então ela nunca tinha ouvido "deu pra ti / baixo astral / vou pra Porto Alegre / Tchau"? Não. Nem "essa boca muito louca / pode me matar / se isso é coisa do demônio / eu quero pecar"? Também não.

Ele sabia muito bem que Kleitor e Kledir não cantavam música sertaneja. Nem poderia classificar o que eles cantavam e, pra dizer a verdade, não se importava com aquilo. Nunca foi fã, nem sabia que os gaúchos ainda se apresentavam por aí. Aquela história de "deu pra ti" sempre soou meio estranha para os ouvidos dele. Mas o fato é que ele sabia quem eram os irmãos cantores porque qualquer pessoa da geração dele, dos nascidos nos anos 60, sabia. A namorada não sabia porque nasceu no fim dos 80, em uma época em que ele próprio já estava até fazendo estágio.

"Isso que dá essa mania de namorar mulher mais nova que você" – os amigos iriam dizer se compartilhasse seu embaraço. Melhor ficar de boca fechada, remoendo esse desconforto. "Não é fácil ser dessa geração", pensou, dramático. "Cresci usando máquina de escrever, colocando ficha no orelhão, ouvindo música no walkman da Sony e agora nada disso existe. Pior, nem posso ser saudosista que aí perco a namorada". Ou será que ela aceitaria essas "diferenças culturais"? Quem sabe ela acha exótico namorar um dinossauro. Dinossauros são fortes, grandes e... extintos!

Sem se dar conta, ele começou a cantarolar: "Quero ver o passaredo / pelos portos de Lisboa / voa, voa que eu chego já". Bonito, isso é bonito. Ai, que raiva do Kleiton e do Kledir! Por que o colocaram nessa enrascada? E por que, diabos, ele sabia essas letras de cor e não conseguia memorizar nem o refrão de uma canção mais moderninha, alguma letra do Criolo ou do... Quem mesmo é moderninho?

Definitivamente ele havia se tornado um dinossauro cujo cérebro parou de funcionar quando a Cássia Eller morreu. "Eu só peço a Deus / um pouco de malandragem / pois sou criança / e não conheço a verdade". É só disso que ele lembra. Por isso, cada vez mais tem recorrido ao recurso de só cantarolar os clássicos: Cartola, Pixinguinha, até Roberto Carlos, que esses não denunciam a idade quando ele está ali, no meio da turma da namorada. Aliás, ele começou a desconfiar que alguns dos seus amigos andam usando a mesma artimanha. Da parte dele, está resolvido: é dinossauro mesmo e ela tem de gostar dele do jeito que ele é. Se não gostar, ele vai ao show do Kleiton e Kledir e, quem sabe, se dá bem com alguma fã dos gaúchos?

***

Dedico esta coluna ao amigo Cláudio Feldens, gaúcho de Pelotas, como Kleiton e Kledir, e que morreu na quarta-feira, depois de quatro anos de luta contra o câncer.

0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]