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O COMEÇO -Delegado Adauto Abreu: “Era uma ocasião da Polícia Civil do PR” | Pedro Serápio/ Arquivo/ Gazeta do Povo
O COMEÇO -Delegado Adauto Abreu: “Era uma ocasião da Polícia Civil do PR”| Foto: Pedro Serápio/ Arquivo/ Gazeta do Povo

Muita denúncia, pouca prova

Cerca de 800 denúncias anônimas che­­ga­­­­ram à Comissão Parlamentar contra po­­liciais e traficantes no Paraná. Embora as denúncias fossem muitas, a capacidade de verificá-las era pequena. As investi­­ga­­ções da CPI chegaram a pequenos tra­­fi­­cantes. As apurações do Ministério Pú­­blico alcançaram os esquemas de des­­man­­ches e roubo de veículos, mas os ba­­rões do tráfico nunca foram atingidos. "Não queríamos chegar aos pequenos traficantes apenas, mas aos grandes. E isso nós não conseguimos", lamenta o ex-deputado federal Padre Roque.

Segundo os promotores Paulo Kessler e Luiz Eduardo Silveira de Albuquerque, o medo das testemunhas travava as investigações. De acordo com Kessler, muitas delas depuseram na CPI, mas o medo fazia com que as testemunhas não fossem até o Ministério Público – o que impedia o pedido de abertura de inquérito. Albuquerque explica que mais da metade dos que foram até a Comissão para testemunhar eram pequenos traficantes. "Eles se sentiam ameaçados e iam lá. Alguns sumiram, outros foram mortos", diz.

Para Padre Roque, a complexidade do programa de proteção à testemunha dificultava a boa vontade das pessoas que se propunham a falar. "Era a pouca fé que as pessoas tinham no Judiciário", afirma.

O promotor Vani Bueno vê na falta de equipamentos o ponto fundamental pa­­ra a pouca quantidade de provas. "Nós não tínhamos esses equipamentos (de interceptação telefônica). Hoje nós dispomos desses sistemas. As provas técnicas de hoje são muito mais consistentes", explica. Na opinião de Bueno, os promotores não conseguiram realizar grandes flagrantes. Os que aconteceram foram nos casos de desmanches.

Não bastasse a falta de tecnologia, o número de pessoas era insuficiente. "Houve pe­­dido de quebra de sigilo fiscal, telefônico e bancário, mas não conseguimos cruzar os dados (pela falta de pessoal)", diz Kessler. Além destes empecilhos, os promotores são unânimes em apontar a superexposição na mídia da CPI como obstáculo aos trabalhos. Os fatos expostos em excesso pela CPI podem ter alertado os traficantes, o que teria dificultado ainda mais as investigações.

Análise

Rede de influência

Para o ex-deputado federal Padre Roque, a CPIteve pontos positivos. "Foi trazido à tona uma questão que estava nos porões do estado", diz. De acordo com ele, o problema do tráfico não era levado a sério e, a partir do trabalho da Comissão, o tema passou a ser debatido nacionalmente.

Fábio Guaragni, promotor responsável pela investigação de Paulo Mandelli na antiga PIC, elogia as investigações. "A gente percebe que as vitórias do Ministério Público não significam cadeia. Mas por conta de tudo aquilo houve uma profunda revolução dentro da polícia", opina.

Guaragni ressalta que o MP conseguiu romper com a corrupção policial estruturada na época. "Não é uma punição do sentido processual. A estrutura da criminalidade organizada se desmontou. Paulo Mandelli e o Joarez eram visto como reis do desmanche no estado, tinham amplo trânsito político. E isso foi rompido", diz.

Defesa

Cândido Manuel Martins de Oliveira, secretário de Segurança Pública em 2000

Como o senhor analisa hoje a CPI do Narcotráfico, dez anos depois?

A CPI foi eminentemente política. Tinha um motivo sério, que era averiguar o problema do narcotráfico. Mas, ao longo do tempo, foi desvirtuada por interesses dos integrantes da própria Comissão. Entre eles, realço o Padre Roque, que era político do Paraná e meu inimigo pessoal.

E qual o motivo da inimizade?

O Padre Roque comandava, praticamente, as invasões de terra através do MST. Eu era secretário da Segurança e cumpria ordens judiciais de despejo. Ele resolveu, através da CPI, tirar sua vingança.

Por que o senhor pediu exoneração?

Como secretário da Segurança, não poderia perdurar sobre a minha conduta nenhuma dúvida. Eu era acusado dos crimes mais hediondos, como tráfico de drogas, comandar desmanches de carro, de tráfico de órgãos. Eu sabia que eram absurdas, mas os órgãos de divulgação davam cobertura. Então, embora o governador (Jaime Lerner) não quisesse me conceder exoneração, eu insisti e ele, finalmente, concordou.

Parte das denúncias é referente a extorsões causadas por policiais. Como o senhor atuou na época?

Posso assegurar com absoluta lealdade que jamais ficou uma denúncia sem apuração. Todos os delegados eram da minha confiança e jamais cometeram, até onde eu sei ou sabia, um ato desabonador.

Como era o trabalho de repressão à corrupção policial?

Era enérgico. Nunca se exonerou tantos policiais corruptos, tanto civis como militares, como no período em que fui secretário de Segurança. Exonerei mais de 5 mil policiais quando se comprovava, evidentemente, que eram culpados.

Sua vida pessoal mudou após a CPI?

Mudou tudo. Eu era um político militante. Hoje, cuido de fazendas. Tenho uma fazenda de gado e agricultura em Clevelândia (no Centro-Sul do Paraná). Minha mãe herdou do pai dela e quem tocava era meu pai, que faleceu, mais ou menos nessa época da CPI, até de desgosto. Ele sabia que eu era inocente.

  • PIROTECNIA -CPI: de
  • REI DOS DESMANCHES -Paulo Mandelli: absolvido em quatro de nove ações, até agora
  • O PALANQUE -Padre Roque: CPI não chegou aos grandes traficantes
  • O EMPRESÁRIO -Hissan Hussein Dehini:
  • FEDERAL -Moroni Torgan : exposição excessiva atrapalhou as investigações
  • O FINAL -Michel Temer (no centro): relatório da CPI citou 828 pessoas no país
  • EXONERADO -Cândido Manuel Martins de Oliveira: pressão o levou a pedir afastamento
  • Veja o que aconteceu com os principais citados nos casos investigados pela CPI
Veja também

Dez anos depois da passagem da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do Narcotráfico pelo Paraná, o saldo é de impunidade. Dos 104 nomes citados no relatório final da comissão no estado – entre empresários, policiais e empresas – somente dois foram condenados. As informações levantadas na época pelos parlamentares e promotores do Ministério Público (MP) estadual sobre a rede de comércio ilegal de drogas, desmanche de veículos roubados e corrupção policial se dissolveram com o tempo. O resultado foi o contrário do esperado: nesses dez anos, o Paraná se tornou porta de entrada do narcotráfico, que faz de Curitiba hoje uma das capitais mais violentas do país.Entre os motivos do baixo índice de condenação estão, segundo fontes ouvidas pela Gazeta do Povo, desde a superexposição das suspeitas na CPI até a vulnerabilidade do MP no início da década, com poucas pessoas e quase nenhuma tecnologia disponível para investigar. Nos processos contra 44 acusados aos quais a reportagem teve acesso, apenas em cinco deles há três condenações: uma do empresário Paulo Mandelli e duas de Joarez França Costa, conhecido como Caboclinho – ambos suspeitos de serem ligados a desmanche de veículos. Os dois foram os únicos condenados até agora, mas já estão soltos. Dos 27 policiais suspeitos de ligação com o narcotráfico e outros crimes, na época, nenhum foi punido ou afastado, de acordo com a Se­­cretaria de Estado da Segurança Pública.Com a repercussão do caso, as investigações da CPI culminaram com a exoneração do então secretário de Segu­­rança Pública, Cândido Manuel Martins de Oliveira, acusado de omissão. Na sequência, ne­­nhum processo criminal foi aberto contra ele.HistóricoA CPI Nacional do Narcotráfico teve início em abril de 1998, mas passou pelo Paraná em 2000. No dia 5 de dezembro daquele ano, foi divulgado o relatório final das investigações, na Câmara dos Deputados, em Brasília. O documento continha 1,4 mil páginas. No total, foram citadas 828 pessoas entre políticos, empresários, juízes, advogados e policiais envolvidos com o crime organizado ou por sonegação fiscal, em 17 estados.Durante as investigações, os parlamentares descobriram a Conexão Acreana, comandada pelo ex-deputado Hildebrando Pascoal, acusado de tráfico e assassinato de mais de 60 pessoas. No Rio de Janeiro, Luiz Fernando da Costa, o Fernandinho Beira-Mar, foi reconhecido como o maior gerente do tráfico do país.

Com a conclusão dos trabalhos, houve o encaminhamento de cópias dos indiciados à Procura­­doria Geral da República, que repassou as acusações para o Ministério Público. O que se viu foram investigações incipientes e frágeis, com pouca consistência probatória.

Quando a CPI chegou ao Pa­­raná, a rede de narcotráfico já estava sendo investigada pela Pro­­motoria de Investigações Cri­­minais (PIC), atual Gaeco, criada pelo MP no fim da década de 90. Alguns promotores iniciaram uma investigação que poderia vir a ser uma das maiores tentativas de limpar a polícia do Paraná e uma das ações mais ousadas contra o tráfico de drogas. Segundo Paulo Kessler, um dos promotores na época, as investigações da PIC, antes da própria CPI, ganharam envergadura. "Em 1998, a CPI foi instalada em plano nacional, mas naquela altura já tínhamos informações sobre o tráfico de drogas, desmanche, furto e roubo no estado", diz.

Apesar do esforço do MP, deputados e de alguns policiais, na prática, pouco se fez contra o narcotráfico. Quando a CPI chegou às re­­giões Sul e Sudeste do Brasil, a di­­ficuldade em investigar aumentou e grandes advogados começaram a intervir em favor de pessoas que estavam próximas de entrar na mira dos parlamentares.

Extorsão

Convidado pelo então deputado federal Padre Roque, integrante da Comissão Parlamentar, o delegado do Grupo Fera naquele período, Adauto Abreu de Oliveira, e a esposa dele, a delegada Leila Aparecida Bertolini, foram até Brasília prestar depoimentos. O delegado paranaense relatou o que muitos já sabiam, mas ninguém tinha coragem de expor. "Era uma ocasião negra da Polícia Civil do Paraná. A Delegacia Antitóxicos (Datox), na época, além de traficar drogas, fa­­zia a extorsão como regra", afirma.

O delegado havia prendido o ex-policial civil Humberto Aparecido Terêncio, uma das principais testemunhas na CPI, fato que chamou atenção dos parlamentares. De acordo com Abreu, quando chegou à Datox pela primeira vez, ele teria relatado o problema ao então secretário da Segurança Pública do Paraná, Cândido Manuel Martins de Oliveira, que não teria dado a importância necessária ao caso. "O Candinho me chamou de louco e me afastou."

"Rei do desmanche" faz casas populares

O empresário Paulo Mandelli, apontado pela CPI do Narcotráfico como "rei do desmanche" em Curi­­tiba, foi preso em 2005 pela Polícia Fe­­deral, cumpriu pena e foi solto. Foi absolvido em quatro das nove ações penais que respondia. De­­pois de dez anos, a Justiça o condenou uma vez, por receptação, em Foz do Iguaçu. A pena foi fi­­xada em cerca de dois anos de prisão. O caso está em grau de apelação no Tribunal de Justiça do Pa­­raná (TJ), segundo o próprio advogado de Mandelli, Luiz Fernando Bonette.

O homem que já foi uma das pessoas mais procuradas do Paraná hoje vive da construção civil e faz, entre outros trabalhos, residências para o programa do governo federal Minha Casa, Minha Vida. Ele foi absolvido nos casos de posse de arma, corrupção passiva e ativa, em um caso em que o ex-delegado-geral da Polícia Civil, João Ricardo Képes Noronha, e Joarez da França Costa, conhecido como Caboclinho, eram réus também. O outro arquivamento é referente a um crime de sonegação fiscal.

Mandelli ainda responde por formação de quadrilha, receptação qualificada, associação deli­­tuo­­sa e outra denúncia de sonegação fiscal. A defesa de Mandelli espera que ele seja absolvido nesses casos também. A acusação de formação de quadrilha é rebatida pela defesa em razão da suposta falta de caracterização do crime. No crime de receptação qualificada, o advogado afirma que não há provas do dolo na questão, o que descaracterizaria a ilegalidade.

Quanto à sonegação fiscal, em outros processos denunciados pelo MP, Mandelli já foi absolvido em razão da antecipação da denúncia. O crime teria de ter um julgamento administrativo na Receita Federal antes do criminal.

Caboclinho

Outro empresário ligado a desmanches de carro na época, Joarez da França Costa, foi absolvido em quatro dos sete processos que responde. Segundo Bonette, que também defende Caboclinho, o primeiro é o da posse de uma caneta revólver, em que o Supremo Tribunal Federal o absolveu pelo crime ter prescrito. Os outros são os de corrupção ativa e passiva, tortura e pelo caso que ficou conhecido como "cemitério de motores". Em 2001, foram encontrados 165 motores enterrados dentro de um terreno em Rio Branco do Sul, região metropolitana de Curitiba.

Caboclinho já foi condenado a 17 anos de prisão por ser mandante da morte de Jesael Cubas, em 1999. O caso está em fase de apelação no TJ. É acusado, também, de um duplo homicídio, em Rio Branco do Sul. A ação ainda está em fase de instrução. Além disso, foi condenado por receptação, em Maringá, no Noroeste do estado, onde possuía uma loja de autopeças. A defesa apelou e nada teria sido definido pelo TJ ainda. Hoje ele mora em Ortigueira, Norte do Paraná.

Indenização

O empresário Hissan Hussein Dehaini, suspeito de tráfico de drogas na época, vai entrar na Justiça contra o Estado do Paraná e pedirá R$ 5 milhões em indenização pelas acusações. Ele alega que perdeu muito dinheiro em seus negócios em Araucária, região metropolitana de Curitiba. Ele é proprietário de hotéis, posto de gasolina e empresa de táxi aéreo.

De acordo com a denúncia oferecida pelo Ministério Público do Paraná, Dehaini, ao lado de outras oito pessoas, havia formado uma organização criminosa com o objetivo de traficar drogas. A Justiça absolveu o empresário no fim do ano passado.

Segundo o despacho do juíz João Eduardo Staut Nunes, houve "insuficiência do conjunto pro­batório". Na opinião de Dehaini, ele foi envolvido nas investigações por ser cunhado do ex-investigador da polícia civil, Samir Skan­­dar, investigado e preso por suspeita de envolvimento com roubos e furto de caminhonetes no estado. O empresário diz que Skan­­dar nunca participou de seus negócios.

"Muitas empresas deixaram de voar conosco. Antes da absolvição, muita gente tinha dúvida", afirma. Não tem como eu ser narcotraficante ostentando o que eu ostento. Tenho uma casa que vale R$ 5 milhões, tenho hotel que tem heliponto, tenho um carro de R$ 800 mil. A gente tem uma história aqui dentro de Araucária. A gente não tem um botequim que vende coxinha." O empresário garante que toda a movimentação de dinheiro em suas contas pessoais e das empresas são legais. "Tudo tem origem", alega.

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