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Para me distrair, dou uma olhada em uma revista especializada em agricultura. Procuro ali um mundo concreto, nada de abstrações, nada de conceitos digitais e modernosos que mudam a cada seis meses. A agricultura obedece a ciclos longos para os padrões do século 21. O trigo leva cinco meses para germinar, crescer e ser colhido. O milho, uns seis meses. É verdade que tudo está acelerado pela tecnologia, nada mais é do jeito que a natureza criou. Mesmo assim, não é aquele vazio do mundo digital onde nada existe concretamente e, ao mesmo tempo, onde estamos todos incluídos. Aliás, isso não parece roteiro de filme de terror?

Então estava eu me distraindo com os anúncios classificados que oferecem "pato paraense gigante" e "traia para muares", quando descobri o mangarito. Sim, o mangarito, que talvez você conheça. É um tubérculo, uma batata, portanto, que já foi mais popular nas cozinhas das roças brasileiras. Agora é uma raridade chamada por connoisseurs de "a trufa brasileira" porque tem um ótimo sabor e fica escondidinha embaixo da terra, como aquele cogumelo europeu. Transformado em raridade, o mangarito foi incluído em um projeto da Embrapa de Sete Lagoas, lá em Minas, que incentiva a produção e o consumo de "hortaliças não convencionais".

O mangarito, como se vê, virou um alternativo, um rebelde. Junto com ele está a araruta, outro tubérculo que, vim a descobrir, aparece em uma lista de vegetais em processo de extinção da FAO. Sequilho de araruta, brevidades – quando voltarei a prová-los?

Telefono para a Embrapa de Sete Lagoas para checar se as informações que encontrei na internet são atualizadas. Sim, eles continuam o trabalho com as hortaliças não convencionais e prometem me enviar uma publicação sobre elas. Quais são as outras? Azedinha, almeirão-de-árvore, cansanção, jacatupé, ora-pro-nóbis, peixinho e vinagreira. Conhece alguma?

Minha ignorância em relação ao mangarito é justificada pela moça que me atendeu. Ele é comum de Minas para cima. Onde eu poderia prová-lo? Diz a internet que o restaurante Tordesilhas, em São Paulo, faz pratos com plantas brasileiras que estão caindo no esquecimento. Ligo para lá e me informam que só servem mangarito de vez em quando porque é difícil consegui-lo. E nada de polvilho.

Quer dizer que se a presidente Dilma quiser servir um sequilhinho da melhor qualidade para um visitante estrangeiro, acompanhando o café, vai ter de colocar os arapongas da Abin para localizar um pacotinho? Não vale substituir pelo polvilho de mandioca, que não é tão fino e saboroso quanto o de araruta. A presidente deve saber bem disso.

Essas plantas todas estão sumidas porque perderam espaço nas lavouras para variedades mais fáceis de cultivar. Se tem gente preo­­cupada com elas, não é por saudosismo. É que cada vez mais a variedade de alimentos consumidos no mundo está diminuindo. No Brasil há 1,8 milhão de espécies de vegetais, mas tem muita criança que passa a infância comendo a mesma maçã, batata do tipo McDonald’s e, talvez, beterraba ou alface americana. É mais seguro para todos nós não depender de uma meia dúzia de alimentos, certo? É esse o raciocínio do povo que não se esquece das "não convencionais".

No meio desse povo está o João Lino, senhor animado e gentil que conheci ao ligar para o número que está naquele anúncio que citei lá no início. Ele mora no bairro Campo Belo, em São Paulo. Pergunto se me venderia uns mangaritos para eu provar. Ele diz que faz questão de que eu plante alguns, garante que o bravo tubérculo sobreviverá ao frio curitibano. Agora estamos em negociações para fechar a compra de umas batatas que ele enviará pelo correio. Francamente, não sei o que será dessas batatinhas quando elas me caírem nas mãos: se irão para baixo da terra para tentar um recomeço ou se vão para a panela.

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