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Julgamento

Voto vencido, Fux refutou teses de Moraes em julgamento de Débora Rodrigues

Em seu voto no julgamento da mulher que pichou a estátua do STF com batom, o ministro Luiz Fux divergiu de Alexandre de Moraes
Em seu voto no julgamento da mulher que pichou a estátua do STF com batom, o ministro Luiz Fux divergiu de Alexandre de Moraes (Foto: Nelson Jr./SCO/STF e Arquivo pessoal/ Cláudia Silva Rodrigues)

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Depois de pedir vista e suspender por um mês o julgamento da cabeleireira Débora Rodrigues dos Santos, que pintou a estátua do Supremo Tribunal Federal (STF) com batom, o ministro Luiz Fux apresentou voto na manhã desta sexta-feira (25) divergindo de Alexandre de Moraes. Enquanto o relator votou para condenar a mulher a 14 anos de pena por cinco crimes, Fux determinou um ano e meio de reclusão, penalidade quase dez vezes menor.

De acordo com a defesa de Débora, o pronunciamento do ministro reconhece que o caso necessitava de sanção mais justa e evidencia a existência de excessos em outros casos de réus do 8 de janeiro.

“Esse voto histórico abre precedente para que outros ministros também ponderem sobre a individualização das condutas e a razoabilidade das penas impostas”, afirmam os advogados Hélio Júnior e Tanieli Telles, apontando que “a correção de injustiças individuais reforça a credibilidade do Judiciário e dá nova esperança às famílias que aguardam por decisões equilibradas”.

No entanto, o voto de Luiz Fux é minoria na Primeira Turma do STF, já que os ministros Alexandre de Moraes, Flávio Dino e Cristiano Zanin votaram pela condenação da cabeleireira a, pelo menos, 11 anos de prisão. Os magistrados podem alterar seus votos até 6 de maio. Falta ainda o voto da ministra Cármen Lúcia, que ainda não havia se manifestado até a tarde desta sexta.

Veja abaixo os principais pontos apresentados no voto divergente de Luiz Fux:

1. Pena e multa foram reduzidas no voto de Fux

Enquanto o ministro Alexandre de Moraes determinou 14 anos de pena, multa aproximada de 33 salários mínimos e indenização de R$ 30 milhões para serem pagos por Débora e demais condenados do 8 de janeiro, Luiz Fux condenou a cabeleireira a um ano e meio de pena e multa aproximada de três salários mínimos. O ministro absolveu a ré das demais imputações.

2. Incompetência do STF para julgamento originário do feito

Antes mesmo de analisar o caso, Fux apontou que Débora não deveria ser julgada pelo STF, mas pela Primeira Instância do Judiciário. “Não se tratando de acusada dotada do foro por prerrogativa de função, não se configuram presentes as hipóteses do art. 102, I, ‘b’ e ‘c’, da Constituição”, argumentou.

Além disso, o ministro afirmou que, na hipótese de ser aceita a competência do STF, o caso deveria ser julgado pelo Plenário da Corte, e não pela Primeira Turma, como foi decidido no Inquérito 4787, de relatoria de Gilmar Mendes, em março deste ano.

3. Não existiu crime multitudinário, mas ação isolada da ré

O ministro também refutou a tese de crime multitudinário apontada por Moraes. De acordo com Fux, a teoria do crime de multidão é justificada para situações em que é impossível a identificação da ação individual de cada um dos autores do crime. No entanto, “essa categoria de delitos não se destina a permitir a condenação em caso de inexistência de provas do liame subjetivo, sob pena de incorrer-se em presunção de culpabilidade”.

“No presente caso, o que se tem é precisamente o contrário: há prova apenas da conduta individual e isolada da ré, no sentido de pichar a estátua da justiça utilizando-se de um batom”, afirma.

Ainda de acordo com o magistrado, os autos apontam que “a ré se deslocou a Brasília/DF por conta própria, tendo pagado pela viagem no dia anterior ao evento, sem que houvesse apoio material ou auxílio pré-estruturado acerca da existência de uma associação criminosa”.

4. Provas obtidas pelo devido processo legal apontam apenas um crime

Segundo Fux, não há qualquer prova do envolvimento de Débora Rodrigues com outros réus e nem da participação dela nos demais atos praticados nas sedes dos Três Poderes.

“Mesmo se tratando de crime multitudinário, sendo autônomo o procedimento, não houve individualização comprovada pela acusação de que a ré teria aderido volitivamente às condutas de associação criminosa armada, de abolição violenta do Estado Democrático de Direito ou de golpe de Estado”, apontou o ministro.

Em seu voto, ele também apontou que "não há prova de condutas autônomas" pelo crime de dano qualificado pela violência e grave ameaça, com emprego de substância inflamável, contra o patrimônio da União e com considerável prejuízo para a vítima.

5. Polícia Federal não encontrou nada no celular de Débora

Fux ainda cita as conclusões da Polícia Federal (PF), em Informação de Polícia Judiciária, apontando que “não foram encontrados elementos que indicassem envolvimento da ré com a imputada associação criminosa".

Segundo a análise da PF, foi observada interrupção nos diálogos entre dezembro de 2022 e a primeira quinzena de fevereiro de 2023, o que poderia ser um “indício de que Débora dos Santos tenha apagado do seu telefone os dados relevantes referentes ao período das manifestações antidemocráticas”, apontou o documento.

No entanto, Fux argumenta que a PF não confirma essa hipótese, e que também “foram pesquisados vídeos, imagens, localizações georreferenciadas entre outros, sem também ser encontrado nada de relevante para a investigação.”

Portanto, o magistrado aponta queindícios somente são suficientes para o recebimento da denúncia, mas não para a condenação”, já que juristas penalistas como Francesco Carrara, um dos expoentes da escola clássica de Direito Penal do Século XIX, afirma que, no processo criminal, “tudo deve ser claro como a luz, certo como a evidência, positivo como qualquer expressão algébrica. Condenação exige certeza (...), não bastando a alta probabilidade (...), sob pena de se transformar o princípio do livre convencimento em arbítrio.”

6. Débora deve ser condenada pelo crime que, de fato, cometeu

Diante das provas presentes nos autos, Fux afirma que Débora deve ser condenada pelo crime de deterioração de patrimônio tombado (art. 62, I, da Lei nº 9.605/1998), pois foi identificada como responsável pelos atos de deterioração da escultura “A Justiça”, de Alfredo Ceschiatti.

“Comprovadas, sob o crivo do devido processo legal, a autoria e a materialidade apenas dessa conduta, por ela há de incidir a reprimenda penal, não havendo provas suficientes da prática dos outros crimes que permitissem condenação diversa da acusada”, explicou.

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