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Debate

A anistia que hoje divide o país

Pedido de reinterpretação da lei, que há 30 anos selou a paz entre o regime militar e os oposicionistas, causa polêmica na sociedade

 | Fotos: arquivo pessoal
(Foto: Fotos: arquivo pessoal)
Os dois lados: a presença constante de militares nas ruas (foto maior), durante a ditadura, não impediu a população de protestar contra o regime |

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Os dois lados: a presença constante de militares nas ruas (foto maior), durante a ditadura, não impediu a população de protestar contra o regime

O parecer da Procuradoria-Geral da República contra a reinterpretação da Lei da Anistia – encaminhado ao Supremo Tribunal Federal (STF) há dez dias – deu mais credibilidade ao coro de advogados e juristas que dizem que a revisão é impossível. Eles argumentam que a nova leitura poderia prejudicar os réus – no caso, os agentes de Estado que promoveram a tortura durante a ditadura brasileira (1964-1985) –, e que essa modificação não é permitida pela Constituição brasileira. Além disso, os tratados internacionais que qualificam a tortura como crime contra a humanidade datam da década de 90, bem depois que foi promulgada a anistia, em 1979, com a Lei n.º 6.683.Por outro lado, estudiosos do Direito Internacional e de Direitos Humanos dizem que o Brasil poderá se tornar réu em uma corte internacional, caso não promova a revisão da norma (leia mais ao lado). Quem pediu uma nova leitura da lei foi a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), com o propósito de punir os torturadores do regime militar. Para dar força a essa tese, algumas entidades, como o Centro pela Justiça e o Direito Interna­cional (Cejil), solicitaram ao STF a participação no processo movido pela OAB para mandarem informações sobre o assunto.A iniciativa das associações ocorreu após o procurador-geral da República, Roberto Gurgel, encaminhar o parecer ao STF. Segundo ele, a revisão não é necessária porque a anistia teve um caráter amplo e porque a lei "pautou-se pelo princípio de reconciliação e pacificação nacional, correspondente aos anseios da sociedade brasileira e reconhecido expressamente pelo Poder Público." Gurgel usou como argumento, em seu parecer, o fato da OAB ter hoje um posicionamento diferente daquele apresentado em 1979, quando a Lei da Anistia foi promulgada."Não existem condições técnicas para a revisão", afirma o advogado Rodrigo Mezzomo, professor da Universidade Mackenzie-Rio. Segundo ele, a barreira principal é o momento em que cada lei foi promulgada. "As leis que criminalizam de forma perene a tortura e que a colocam como um crime contra a humanidade são posteriores."No Brasil, a lei sobre o assunto (n.º 9.455) é de abril de 1997. O Tratado de Roma, que instituiu a Corte Penal Internacional e que elenca quais são os crimes contra a humanidade, entrou em vigor em 2002. Por isso, sustenta Mezzomo, não há como revisar a lei. "Tortura é abominável, mas não há como uma lei posterior disciplinar coisas que aconteceram no passado."

O juiz Guilherme Guimarães Feliciano, professor associado da Faculdade de Direito da USP, reforça a questão da irretroatividade: "Nenhuma lei penal pode ser alterada em prejuízo ao réu ou retroagir." No entanto, ele diz que uma nova leitura não é impossível: "Uma coisa é revogar uma lei, mas reinterpretar lei já existente é possível."

O jurista Paulo Brossard, ex-ministro do STF, é categórico ao afirmar que a Lei 6.683/79 "é irreversível", seja por meio de revogação ou revisão. "A Lei da Anistia, pela sua própria natureza, se esgota com seu cumprimento." Segundo ele, esse tipo de perdão pode ser mais ou menos justo, mas sua principal característica é a paz.

Fazer justiça

Contentar-se com a paz é muito pouco para um país como o Brasil, opina a doutora em Direito Internacional Liliana Lyra Jubilut, da Faculdade de Direito do Sul de Minas (FDFM). "Como estamos há anos fora da ditadura e temos uma democracia solidificada, precisamos de um julgamento jurídico. Já temos a paz assegurada. Agora temos de fazer justiça."

Segundo Liliana, mesmo que a Constituição brasileira garanta a irretroatividade de leis penais, a Jurisprudência internacional aponta para a necessidade de revisão do perdão concedido em 1979, ainda durante o regime militar. "Internamente, a anistia pode parecer perfeita, mas nas cortes internacionais vão ga­­nhando relevância as punições às graves violações de direitos hu­­manos cometidas no passado. Nenhum país pode usar como justificativa uma norma interna para se isentar dessa obrigação."

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