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OEA

Corte põe em xeque o "autoperdão"

A Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), ligada à Organização dos Estados Americanos (OEA), já tem uma jurisprudência contrária às leis de autoanistia, como a que foi promulgada pelo Brasil em 1979.

Para o órgão, "as chamadas autoanistias são uma afronta inadmissível ao direito à verdade e à justiça". A afirmação consta da sentença do julgamento contra a legislação do Peru.

Nesse país, a lei de perdão foi promulgada em 1995 – antes, portanto, da entrada em vigor do Tratado de Roma, que qualifica a tortura como crime contra a humanidade e, portanto, imprescritível.

A sentença da CIDH, de 2001, diz ainda que "são inadmissíveis as disposições de anistia e de prescrição e o estabelecimento de exclusão de responsabilidades que pretendam impedir a investigação e sanção dos responsáveis pelas violações graves dos direitos humanos, como a tortura, as execuções sumárias, extralegais ou arbitrárias e os desaparecimentos forçados."

Por causa disso, diz Liliana Lyra Jubilut, pesquisadora da FDFM, o Brasil poderá ser julgado pelos tribunais internacionais caso não promova a revisão da Lei da Anistia. O caso está nas mãos do STF e deve ser julgado ainda neste ano.

"Primeiro é preciso haver esgotamento dos sistemas internos, para que fique claro que dentro do país não há mais alternativas de modificação", explica.

No caso de condenação, o Brasil pode ser obrigado a alterar suas normas internas por determinação da CIDH. "Além disso, pode ter que arcar com mais indenizações e, às vezes, instituir um feriado nacional com o nome de uma vítima", diz Liliana.

Vale lembrar

Visões conflitantes da OAB

A mesma Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) que agora entrou com a ADPF que defende a reinterpretação da Lei da Anistia posicionou-se da seguinte maneira, durante a sua elaboração, em parecer escrito pelo então conselheiro federal Sepúlveda Pertence (foto) – que mais tarde seria ministro do STF:

"... 17. Nem a repulsa que nos merece a tortura impede reconhecer que toda a amplitude que for emprestada ao esquecimento penal desse período negro de nossa História poderá contribuir para o desarmamento geral, desejável como passo adiante no caminho da democracia. 18. De outro lado, de tal modo a violência da repressão política foi tolerada – quando não estimulada, em certos períodos, pelos altos escalões do Poder – que uma eventual persecução penal dos seus executores materiais poderá vir a ganhar certo colorido de farisaísmo. 19. Não é preciso acentuar, de seu turno, que a extensão da anistia aos abusos da repressão terá efeitos meramente penais, não elidindo a responsabilidade civil do Estado, deles decorrentes...."

A mudança de entendimento foi lembrada no parecer do procurador-geral da República, Roberto Gurge, que pode ser conferido no site http://noticias.pgr.mpf.gov.br/noticias-do-site/pdfs/adpf_153_parecer.pdf.

  • Os dois lados: a presença constante de militares nas ruas (foto maior), durante a ditadura, não impediu a população de protestar contra o regime

O parecer da Procuradoria-Geral da República contra a reinterpretação da Lei da Anistia – encaminhado ao Supremo Tribunal Federal (STF) há dez dias – deu mais credibilidade ao coro de advogados e juristas que dizem que a revisão é impossível. Eles argumentam que a nova leitura poderia prejudicar os réus – no caso, os agentes de Estado que promoveram a tortura durante a ditadura brasileira (1964-1985) –, e que essa modificação não é permitida pela Constituição brasileira. Além disso, os tratados internacionais que qualificam a tortura como crime contra a humanidade datam da década de 90, bem depois que foi promulgada a anistia, em 1979, com a Lei n.º 6.683.Por outro lado, estudiosos do Direito Internacional e de Direitos Humanos dizem que o Brasil poderá se tornar réu em uma corte internacional, caso não promova a revisão da norma (leia mais ao lado). Quem pediu uma nova leitura da lei foi a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), com o propósito de punir os torturadores do regime militar. Para dar força a essa tese, algumas entidades, como o Centro pela Justiça e o Direito Interna­cional (Cejil), solicitaram ao STF a participação no processo movido pela OAB para mandarem informações sobre o assunto.A iniciativa das associações ocorreu após o procurador-geral da República, Roberto Gurgel, encaminhar o parecer ao STF. Segundo ele, a revisão não é necessária porque a anistia teve um caráter amplo e porque a lei "pautou-se pelo princípio de reconciliação e pacificação nacional, correspondente aos anseios da sociedade brasileira e reconhecido expressamente pelo Poder Público." Gurgel usou como argumento, em seu parecer, o fato da OAB ter hoje um posicionamento diferente daquele apresentado em 1979, quando a Lei da Anistia foi promulgada."Não existem condições técnicas para a revisão", afirma o advogado Rodrigo Mezzomo, professor da Universidade Mackenzie-Rio. Segundo ele, a barreira principal é o momento em que cada lei foi promulgada. "As leis que criminalizam de forma perene a tortura e que a colocam como um crime contra a humanidade são posteriores."No Brasil, a lei sobre o assunto (n.º 9.455) é de abril de 1997. O Tratado de Roma, que instituiu a Corte Penal Internacional e que elenca quais são os crimes contra a humanidade, entrou em vigor em 2002. Por isso, sustenta Mezzomo, não há como revisar a lei. "Tortura é abominável, mas não há como uma lei posterior disciplinar coisas que aconteceram no passado."

O juiz Guilherme Guimarães Feliciano, professor associado da Faculdade de Direito da USP, reforça a questão da irretroatividade: "Nenhuma lei penal pode ser alterada em prejuízo ao réu ou retroagir." No entanto, ele diz que uma nova leitura não é impossível: "Uma coisa é revogar uma lei, mas reinterpretar lei já existente é possível."

O jurista Paulo Brossard, ex-ministro do STF, é categórico ao afirmar que a Lei 6.683/79 "é irreversível", seja por meio de revogação ou revisão. "A Lei da Anistia, pela sua própria natureza, se esgota com seu cumprimento." Segundo ele, esse tipo de perdão pode ser mais ou menos justo, mas sua principal característica é a paz.

Fazer justiça

Contentar-se com a paz é muito pouco para um país como o Brasil, opina a doutora em Direito Internacional Liliana Lyra Jubilut, da Faculdade de Direito do Sul de Minas (FDFM). "Como estamos há anos fora da ditadura e temos uma democracia solidificada, precisamos de um julgamento jurídico. Já temos a paz assegurada. Agora temos de fazer justiça."

Segundo Liliana, mesmo que a Constituição brasileira garanta a irretroatividade de leis penais, a Jurisprudência internacional aponta para a necessidade de revisão do perdão concedido em 1979, ainda durante o regime militar. "Internamente, a anistia pode parecer perfeita, mas nas cortes internacionais vão ga­­nhando relevância as punições às graves violações de direitos hu­­manos cometidas no passado. Nenhum país pode usar como justificativa uma norma interna para se isentar dessa obrigação."

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