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Legislativo dá emprego a chaveiro, barbeiro...

Além dos gabinetes dos deputados e da parte administrativa, a Assembléia tem em sua estrutura uma série de serviços que extrapolam em muito as funções legislativas. Nos quadros funcionais da Casa constam, por exemplo, chaveiro, mecânico, médicos, dentistas, enfermeiros, calígrafo, barbeiros e carpinteiro.

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Uma caixa-preta é um aparelho ou sistema, por vezes blindado, cujo funcionamento interno não é possível conhecer em detalhes pelas pessoas leigas. O termo surgiu no mundo da tecnologia. Caixas-pretas de aviões, por exemplo, guardam os "segredos" dos vôos e, eventualmente, de acidentes. Mas o termo extrapolou a esfera tecnológica e chegou à política. Nenhuma palavra hoje define de forma tão precisa o que se passa na Assembléia Legislativa do Paraná como caixa-preta. Segredos, blindagem, funcionamento interno inacessível aos cidadãos. A falta de transparência do Legislativo paranaense é tal que sequer é possível saber quantos funcionários a Casa tem, quem são eles e em que setor ou gabinete da Assembléia trabalham – o que impede uma fiscalização da sociedade.

Porém, nos últimos dias, uma pequena brecha da caixa-preta legislativa abriu-se e revelou uma face nada nobre da Assembléia. A funcionária Verônica Durau, contratada da Casa desde 1996 em cargo comissionado (de indicação política), foi denunciada ao Ministério Público por nunca ter trabalhado no Legislativo – o que ela confirmou em entrevista à Gazeta do Povo. A denúncia enviada ao MP ainda tem um componente mais grave: Verônica teria sido usada como "laranja" para que seu genro, o ex-chefe de gabinete do prefeito Beto Richa, Ezequias Moreira Rodrigues, recebesse salários da Assembléia.

O "caso da sogra fantasma", como ficou conhecido o episódio, resultou nas demissões tanto de Verônica, do cargo na Assembléia, como de Ezequias, da prefeitura de Curitiba. Mas as exonerações estão longe de encerrar o caso e limpar a imagem da Assembléia, que está no olho do furacão das denúncias. Ao contrário: o Legislativo insiste em não divulgar informações a respeito de seus funcionários.

Na quarta-feira passada, a Gazeta do Povo protocolou oficialmente um pedido para ter acesso à lista dos funcionários da Assembléia, tanto dos de carreira como os comissionados. A reportagem pediu que a lista fosse entregue até a sexta-feira. Mas não recebeu um único nome. Essa, aliás, é a segunda vez que a Gazeta tenta obter essa informação oficialmente, por meio de protocolo. Em maio do ano passado, o jornal já havia tentado a relação de funcionários, sem sucesso. Em dezembro, uma nova mostra da falta de transparência: a reportagem solicitou apenas o número de servidores da Casa – o que também não foi informado.

Procurada pela reportagem na sexta-feira, a presidência da Assembléia informou que o pedido ainda está em trâmite na Casa e que não foi possível entregar a relação de funcionários no prazo solicitado. A justificativa foi de que, na sexta, a Assembléia ficou fechada para que a Copel realizasse reformas nas instalações elétricas.

Ainda segundo a presidência, o pedido foi encaminhado à diretoria-geral da Casa, que o repassou à procuradoria – órgão que, por sua vez, está avaliando a legalidade da solicitação. Uma resposta ao pedido, com a liberação das informações ou com negativa delas deve vir nesta semana. A Gazeta ainda aguarda os dados.

O presidente da Assembléia, deputado Nelson Justus (DEM), não deu certeza se o pedido será aceito. "Achei o pedido inovador. É a primeira vez que vejo isso ocorrer. Aos poucos, acho que vão ser liberados os dados", disse o deputado. E emendou: "Mas nada impede que os deputados divulguem isso a qualquer momento".

A única informação oficial que se tem até agora é o número total de funcionários de carreira da Assembléia: 552. O número de servidores comissionados contratados nos gabinetes dos deputados continua um mistério. Justus disse que não há controle das contratações feita pelo Legislativo, o que é uma prerrogativa de cada deputado. "Gabinetes não são como escritórios de advocacia. Cada parlamentar contrata seus funcionários de acordo com suas necessidades e, muitas vezes, eles trabalham nas bases eleitorais."

Embora o número total de funcionários da Assembléia não seja conhecido, sabe-se ao menos o quanto eles custam aos cofres públicos. E não é pouco: a Lei Orçamentária de 2007 autoriza a Casa a gastar R$ 229,595 milhões com despesas de pessoal neste ano.

O professor de Ciência Política Carlos Luiz Strapazzon, do Centro Universitário Curitiba, diz que também já teve dificuldades de conseguir informações da Assembléia. "É pior do que uma caixa-preta, porque a população não consegue que o órgão forneça informações sobre o seu funcionamento. Além disso, ninguém sabe o que acontece com os recursos", diz o professor. "Eu liguei uma dezena de vezes para a diretoria jurídica e para a diretoria financeira, porque estava fazendo uma pesquisa. Ninguém podia falar comigo."

O cientista político diz ainda que a falta de transparência do Legislativo fere o princípio constitucional da "publicidade" na administração pública. "É um dever do poder público explicar como gasta, o que gasta e quanto gasta." Para corrigir o rumo, ele sugere o uso da internet na divulgação dessas informações.

O professor de Ciência Política Fabrício Tomio, da UFPR, considera que, dentre os Legislativos do Sul e do Sudeste brasileiro, a Assembléia do Paraná é uma das que menos fornece informações aos cidadãos. "É normal que deputados tenham funcionários comissionados em seus gabinetes. Mas deveriam publicizar esses gastos."

Tomio entende que a transparência é uma questão de democracia e que os eleitores têm direito de fiscalizar o deputado eleito. "É óbvio que os dados são publicados nos diários legislativos. Mas, do ponto de vista da fiscalização do eleitor, nada impediria que fossem publicados na internet."

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