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Abaixo-assinado da Ficha Limpa: mobilização popular garantiu a aprovação da lei que barra candidatos com condenações | Rodolfo Stuckert/Câmara dos Deputados
Abaixo-assinado da Ficha Limpa: mobilização popular garantiu a aprovação da lei que barra candidatos com condenações| Foto: Rodolfo Stuckert/Câmara dos Deputados

A série

A série de reportagens "Democracia em Construção", publicada nos últimos quatro domingos, busca mostrar quais são as teorias políticas contemporâneas que tentam aprofundar a democracia.

Quando dá certo

Confira algumas medidas tomadas no Brasil que permitem que os políticos sejam responsabilizados por seus atos e que a população acompanhe o trabalho dos gestores públicos:

• Lei da Ficha Limpa

Um movimento popular coletou assinaturas e levou ao Congresso Nacional um projeto de lei propondo que políticos com condenação judicial não pudessem mais se reeleger. A pressão popular fez com que deputados e senadores aprovassem a proposta, que depois foi referendada pelo Supremo Tribunal Federal.

• Adote um Distrital

O Instituto de Fiscalização e Controle decidiu implantar projetos em Brasília que acompanhassem o trabalho de políticos. O "Adote um Distrital" tem hoje uma lista de 3 mil voluntários e fez com que vários parlamentares aumentassem seu grau de transparência para obter notas melhores do projeto.

• Lei de Acesso à Informação

A legislação permite que qualquer cidadão apresente pedidos de informação para órgãos governamentais. O funcionário do setor não pode perguntar o motivo do pedido e precisa dar uma resposta em 30 dias – a não ser que a informação seja classificada como sigilosa ou que seja impossível de se obter.

Durante séculos, a pessoa responsável pelo governo era tida como intocável, e criticá-la era impossível. Mesmo depois de os reis terem deixado de dizer que governavam por ordem de Deus (o famoso direito divino), prevaleceu por muito tempo a ideia de que com os poderosos era preciso ter cuidado. No entanto, para o ide­al democrático isso não serve: a população tem de ter o direito de cobrar seus representantes e, inclusive, de enquadrá-los caso andem fora da linha. Foi para reforçar esse direito que criou o conceito de "accountability".

Em português, a tradução mais comum tem sido a de "responsabilização". O básico é que, quando o dono do mandato pisar na bola, seus representados têm de ter instrumentos para fazer com que ele responda por isso. A teoria política hoje vê dois tipos diferentes de responsabilização. Uma é a eleitoral: o cidadão vai às urnas e pune aquele que não atuou como devia. Mas isso é pouco. É preciso que antes mesmo de renovar o mandato o político tenha de responder por seus atos. É aí que surge a "responsabilização horizontal".

Poupados

Segundo um dos teórico mais renomados sobre o tema, o argentino Guillermo O’Donnell, o problema é que a responsabilização na América Latina ainda não ocorre como seria necessário. Sem um procedimento justo e claro que garanta a punição dos culpados, a democracia fica ameaçada, diz o autor. "Algumas autoridades corruptas são, então, poupadas de punições que teriam provavelmente resultado da intervenção de tribunais e de outras agências públicas. Outras, no entanto, que podem ser inocentes de qualquer impropriedade, assim como aqueles contra os quais nada pôde ser provado, se veem condenados pela opinião pública", afirma.

Para o cientista político David Fleischer, da Univer­sidade de Brasília, a grande falha da accountability hoje no Brasil continua sendo a Justiça. "Nosso Judiciário continua servindo principalmente para pegar ladrão de galinhas. Mas é difícil condenar uma autoridade que tenha condições de contratar um bom advogado", diz. De acordo com Fleischer, o grande avanço do Brasil rumo à responsabilização nos últimos anos foi a Lei da Ficha Limpa. "Mas ela ainda não está sendo aplicada com todo o rigor necessário."

Quem pôs a mão na massa para cobrar os políticos diz que, com esforço, é possível obter bons resultados. Diego Ramalho, coordenador do Instituto de Fiscalização e Controle, é um dos responsáveis pelo projeto Adote um Distrital. Nele, voluntários fiscalizam o dia a dia dos deputados distritais brasilienses e atribuem notas a cada parlamentar de acordo com itens de transparência. "Quando publicamos os primeiros resultados, havia pouca transparência. Mas vários deputados se interessaram em ter notas melhores, nos procuraram e realmente fizeram melhorias no seu site e no relacionamento com a população."

Leia mais

Accountability Horizontal e Novas Poliarquias, de Guillermo O’Donnell. Democracia, Representação e Accountability, de Andrew Arato

Entrevista

"O Estado deve ficar nu", diz cientista político

Maurício Michel Rebello, cientista político da Universidade Federal da Fronteira Sul.

Quando passou a existir o conceito de "responsabilização" dos políticos, a accountability?

A utilização da palavra accountability na ciência política é recente, das duas últimas décadas. Um dos primeiros a afirmar que, no caso latino-­americano, faltaria em nossas democracias a noção de accountability foi o cientista político argentino Guilhermo O’Donnell. A valorização teó­rica do conceito emerge em um contexto onde os eleitores demandam um maior conjunto de políticas públicas que não têm sido atendidas pelos políticos. Apesar de a representação política não significar a adoção perfeita da preferência eleitoral, não pode existir uma total desconexão entre os interesses do mandante e do mandatário.

Qual a diferença entre accountability vertical e horizontal?

Accountability vertical se refere à relação entre eleitores e eleitos. A horizontal seria a capacidade de agências do Estado realizarem um monitoramento de outras instituições estatais e puni-las, caso houvesse desvio de finalidade. No Brasil, a accountability vertical (que prefiro chamar de eleitoral) tem ocorrido razoavelmente em cargos ao Executivo, pois o eleitor reconhece o chefe de Executivo atual e vota (premia) ou não (pune) no candidato em função das políticas aplicadas. Já no caso do Legislativo com eleição proporcional (verea­dores e deputados) existem diversos problemas e as chances de ocorrência de accountability são muito menores. Quanto à horizontal, existem diversas instituições que têm feito um bom trabalho, como Ibama, Polícia Federal, Ministério Público e Tribunais de Contas.

Como a responsabilização dos políticos melhora a democracia?

Não podemos idealizar demais a democracia. Temos de pensá-la como ela existe hoje os desafios e os limites apresentados por todas as democracias no mundo. Um dispositivo como a accountability reforça o elo de representação, retirando uma autonomia excessiva do representante, e aumenta a capacidade de uma fiscalização institucional. Entretanto, são muitos os problemas para que ela possa ser fortalecida. O maior problema da accountability vertical é a incapacidade de o eleitor estar sempre informado sobre assuntos públicos. Outro problema é a recusa por parte da elite burocrática e estatal em disponibilizar informações públicas. Algumas informações dentro da burocracia ainda são tidas como pessoais e não de caráter público. Para que haja uma maior accountability, o Estado deve ficar mais nu.

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