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Fabio Camargo: quatro faltas em um mês. | Jonathan Campos / Gazeta do Povo
Fabio Camargo: quatro faltas em um mês.| Foto: Jonathan Campos / Gazeta do Povo

CPI na Assembleia

Deputado fez acusações contra juízes e administradores

Os trabalhos da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) das Falências, instalada em fevereiro pela Assembleia Legislativa do Paraná, estão suspensos por determinação do Tribunal de Justiça (TJ) desde o último dia 20. O pedido de suspensão foi formulado pela Associação dos Magistrados do Paraná (Amapar), a pedido de juízes.

O TJ determinou a paralisação da CPI alegando que não havia requisitos legais para sua instalação (a comissão não teria um foco determinado, como manda a lei). Cinco dias depois, o deputado Fabio Camargo (PTB), presidente da CPI, foi ao plenário da Assembleia e, irritado, acusou juízes de varas da Fazenda Pública, em Curitiba. Disse haver uma "organização criminosa" para fraudar processos de falência.

De acordo com o parlamentar, os juízes supostamente envolvidos no esquema de corrupção usariam o poder do cargo para nomear como administradores das maiores falências do Paraná integrantes da família Simão (Rubens e seus filhos Marcelo e Fabio), que gerenciam 109 massas falidas. "Os juízes apontavam eventuais falhas dos administradores para dar legitimidade ao afastamento deles e, assim, nomearem pessoas de sua confiança como síndicos das falências", afirmou o deputado na ocasião. Todos os citados por Camargo negaram as acusações e prometem processar o deputado.

Além de denunciar o suposto esquema, o deputado também se defendeu de um dossiê "para desmoralizá-lo" que estaria circulando no Judiciário e em órgãos da imprensa.

O dossiê faria menções ao fato de Camargo administrar massas falidas sob a indicação da irmã, a juíza Vanessa de Souza Camargo, titular da 4ª Vara da Fazenda Pública de Curitiba. No pronunciamento, o deputado citou uma certidão expedida pela escrivã da vara que confirmaria que, na época em que ele foi síndico de uma massa falida, a juíza titular não era a irm㠖 tentando assim afastar possibilidade de um direcionamento.

Recurso

Na última terça-feira, a Procura­doria-Geral da Assem­bleia apresentou recurso para tentar derrubar a liminar que paralisou os trabalhos da CPI. A expectativa da Procura­doria é que o recurso seja apreciado nos próximos dias. De acordo com o texto do recurso, a suspensão da comissão fere princípios legais do Legislativo e configura conflito na separação dos poderes. (KK e SM)

  • Conheça melhor a lei 11.101 que regula a recuperação judicial, extrajudicial e a falência

Extremamente concentrado. Lento. Sujeito a questionamentos de caráter ético. E sem estrutura suficiente. Assim pode ser definido o bilionário sistema de administração judicial de empresas falidas de Curitiba – alvo de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) na Assembleia Legislativa do Paraná.

Durante mais de um mês, a Gazeta do Povo analisou processos falimentares. Também colheu depoimen­­tos de cre­­­­­­­­dores das empresas, juízes e síndicos de massas falidas. A constatação é de que o sistema precisa mudar para que o Estado, credores e ex-empregados consigam reaver, de forma mais rápida, ao menos parte do que as em­­­presas falidas lhes devem.

Cinco escritórios

O primeiro dado que chama a atenção na análise mais aprofundada do sistema é a elevada concentração de escritórios de advocacia que administram as massas falidas curitibanas. Levantame­n­­to feito pela Correge­doria-Geral do Tribunal de Justiça do Paraná (TJ), obtido com exclusividade pela Gazeta do Povo, mostra que apenas cinco escritórios de advocacia dominam quase metade do "mercado" de administração ju­­dicial de empresas falidas. A auditoria da Corregedoria nas varas de falência começou a ser elaborada a pedido do presidente do TJ, Miguel Kfouri Neto, após o início da CPI e das denúncias de problemas no sistema.

Dos 750 processos falimentares em andamento nas quatro Varas da Fazenda Pública, Fa­­lências e Recuperação de Empre­sas de Curitiba, 309 (41%) estão nas mãos de cinco síndicos, como são conhecidos os administradores das massas falidas. Eles ganham 6% da venda dos ativos da empresa e podem também receber um porcentual da venda dos imóveis da massa e uma remuneração mensal.

A atual lei federal, de 2005, que regula as falências permite que o juiz responsável pelo caso nomeie e substitua o administrador das massas falidas em qualquer momento do processo. Mas não estabelece critérios objetivos que devam ser cumpridos pelo juiz na hora da nomeação do administrador (a legislação anterior que regia o assunto, válida até há seis anos, também era assim). Com isso, abrem-se brechas para a concentração e também para questionamentos éticos na nomeação dos síndicos.

O escritório Simão Consultoria e Advocatícia, dos advogados Fábio e Marcelo Zanon Simão, é o campeão na gestão de massas falidas da capital: 109 empresas fechadas estão sob administração dele. Dessas ações, 74 foram designadas ao escritório pela 1.ª Vara da Fazenda Pública.

O segundo colocado no número de massas administradas é o advogado Joaquim José Grubhofer Rauli. O escritório dele responde por 72 processos falimentares. Em terceiro lugar, está o advogado Paulo Vinícius de Barros Martins, com 50 indicações, seguido pelos também advogados Maurício de Paula Guimarães (44 massas) e Clemenceau Merheb Calixto (38).

Nas mãos desses síndicos estão imóveis, bens que movimentam um mercado de bilhões de reais. Somente o escritório de Marcelo Simão é responsável pela administração de bens de massas falidas avaliadas em R$ 400 milhões. A informação é do advogado Marlus Arns, que representa o escritório.

O presidente da comissão de estudos de recuperação judicial e falências da Ordem dos Advogados do Brasil em São Paulo (OAB-SP), Luiz Antônio Miretti, afirma que o problema não é a lei, e sim sua aplicação. "O administrador é uma indicação de confiança do magistrado e devemos acreditar na lisura da atuação do juiz. Porém, os casos que escapam da normalidade devem ser averiguados pela Corregedoria do Tribunal", diz ele.

Sobrecarga judicial

Outro problema é o elevado número de processos em tramitação nas quatro varas de Curi­­tiba, que são responsáveis não somente por ações falimentares – fato que acaba por prejudicar a liquidação das massas falidas. De acordo com a Corregedoria do TJ, são cerca de 400 mil ações, uma média de 100 mil por juízo.

"Como se pode notar, nas condições atuais, em que pese o grande esforço dos magistrados que aqui atuam, a estrutura insuficiente dificulta o enfrentamento do intenso movimento judiciário hoje existente no juízo, o que inclui os processos de falência e de recuperação de empresas", afirma o juiz substituto da 3.ª Vara da Fazenda de Curitiba, Rodrigo Otávio Rodrigues Gomes do Amaral. "O sistema de administração judicial pode ser aperfeiçoado", concorda a juíza substituta da 4.ª Vara da Fazenda, Mariana Fowler Gusso. "Inclusive mediante alteração da legislação." Devido à sobrecarga, há processos de falência tramitando há 28 anos em Curitiba, sem que os credores recebam o que a empresa falida lhes deve.

A instauração da CPI na Assembleia e as denúncias de problemas no sistema também levaram a Ordem dos Advogados do Brasil no Paraná (OAB-PR) a sugerir mudanças no modelo. Em ofício encaminhado à presidência do TJ, a OAB-PR requer que a competência dos processos falimentares e de recuperação judicial de empresas das quatro varas de Fazenda Pública seja redistribuída entre as 23 varas cíveis da comarca da capital. O presidente da Ordem no estado, José Lúcio Glomb, considera que a mudança seria benéfica para o sistema Judiciário. "As vantagens seriam a descentralização e a celeridade nos processos", disse Glomb na época do envio do ofício, em abril.

A mudança é bem vista pelo presidente do Tribunal de Justiça, desembargador Miguel Kfouri Neto, e pelo corregedor do TJ, desembargador Noeval de Quadros. "A Corregedoria vai caminhar nesse sentido, nessa posição [de transferir a competência das varas fazendárias para as cíveis]. Há mais afinidade com a matéria cível do que com a matéria fazendária", explica Quadros.

Outra opção seria a criação de uma vara especializada em recuperação judicial e falência. De concreto, porém, houve apenas a determinação do presidente do TJ para a criação de mais quatro varas virtuais da Fazenda Pública em Curitiba, com a digitalização dos processos. No entanto, os atuais 750 processos falimentares em andamento continuariam tramitando nas quatro varas fazendárias já existentes.

Colaborou Mariana Scoz, especial para a Gazeta do Povo.

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