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Chico Alencar, candidato do PSol à Presidência da Câmara dos Deputados | André Rodrigues / Gazeta do Povo
Chico Alencar, candidato do PSol à Presidência da Câmara dos Deputados| Foto: André Rodrigues / Gazeta do Povo

Deputado federal desde 2003, Chico Alencar (PSol-RJ) é o maior azarão da disputa eleitoral da Câmara. Integrante da oposição à esquerda, que conta com uma bancada de apenas cinco parlamentares, sua posição serve mais como uma forma de ampliar o debate eleitoral do que representar uma candidatura viável à presidência. Nas últimas eleições, em 2013, ele já havia assumido esse papel – e recebeu 13 votos.

Em entrevista à Gazeta do Povo, Alencar criticou as propostas dos outros três candidatos – Arlindo Chinaglia (PT-SP), Eduardo Cunha (PMDB-RJ) e Julio Delgado (PSB-MG) – e defendeu que a próxima Mesa Diretora da Câmara seja mais voltada para a população do que para os deputados. "Vamos externar uma concepção de parlamento, mostrar que nossa crise de credibilidade é muito grande e que depende de nós começar a superá-la", declarou.

Ele defendeu, ainda, uma reforma política fundamentada no fim do financiamento empresarial de campanha, e uma reforma tributária que priorize a taxação de grandes fortunas.

O PSol tem apenas cinco deputados. Vocês contam com o apoio de algum outro partido ou deputado para essa eleição?Como partido, não. Mas a história da Câmara nos últimos anos é de que líder não lidera e decisão de partido não é cumprida integralmente. É evidente que a gente não quer a traição, como, infelizmente, o voto secreto favorece, mas quer a consciência. Vamos externar uma concepção de parlamento, mostrar que nossa crise de credibilidade é muito grande e que depende de nós começar a superá-la. Então, a expectativa é que isso possa sensibilizar alguns colegas, pelo menos. Mas em termos de apoio efetivo, formal, não temos nada. Até aqui.

O objetivo então é mais marcar uma posição do que, efetivamente, disputar a eleição?Não. É conseguir colocar nesse debate algo que as outras candidaturas não podem ou não querem colocar. A Câmara precisa estar mais voltada para fora, para a população, do que para os deputados. Os outros candidatos falam muito em construir um novo prédio anexo, aumentar verba de gabinete, fortalecer a procuradoria para defender os deputados, algo interna corporis. A gente quer falar sobre a necessidade do parlamento estar aberto às demandas da população. Então, queremos enfatizar isso e fazer a denúncia do falecimento do nosso sistema político, dominado pelo poder das grandes corporações que financiam as campanhas. De cada nove deputados federais eleitos, sete foram financiados por uma das dez maiores empresas investidoras na campanha do ano passado, entre elas as empreiteiras da Lava Jato. Isso corrompe e degrada a representação política.

Se eleito presidente, o senhor assume algum compromisso com os deputados?Aos deputados, só o bom debate político, uma agenda alentada. Nenhum ponto polêmico ficará fora da Ordem do Dia. Temos o entendimento de que aqui é o espaço do dissenso, do conflito de ideias, do confronto de projetos de sociedade. Também queremos combinar a democracia representativa com a democracia direta, o que a internet favorece muito, e a democracia participativa. Nós temos uma Comissão de Legislação Participativa, a Ouvidoria, instrumentos para abrir a Câmara ainda mais. Então, eu prometo uma gestão de muita riqueza política e de enfrentamento à negação da política que acontece atualmente.

O senhor falou do financiamento das campanhas. A reforma política é considerada uma agenda importante pelo PSol?A reforma política talvez seja um ponto comum entre todas as quatro candidaturas, ao menos a necessidade de debatê-la. Mas eu já dou outra embocadura, que não sei se as outras dão, até porque são beneficiárias desse sistema. Tem que se negar a constitucionalidade do financiamento empresarial das campanhas. O Supremo [Tribunal Federal, STF] inclusive caminha nessa direção, só não concluiu a votação porque o ministro Gilmar Mendes pediu vistas. Consideramos um ponto básico tirar essa possibilidade de empresas financiarem, o que tem aviltado a igualdade da disputa. É uma coisa violenta. Para você ter uma ideia, as empresas da [Operação] Lava Jato doaram R$ 484 milhões para quase todos os partidos nas eleições desse ano. Se, com uma crise toda dessas na nossa principal empresa pública, a gente não chega a essa decisão, a reforma política vai ser uma farsa.

Qual a importância da Lava Jato no contexto dessas eleições?Já se falou que o Eduardo Cunha estaria envolvido, e [se ele for eleito] nós vamos viver nessa expectativa. Parece que ainda em fevereiro, o procurador-geral da República envia ao STF o pedido de investigação de parlamentares. Entendo que ninguém pode estar sendo investigado e estar na Mesa Diretora ao mesmo tempo, sendo o terceiro na sucessão presidencial. Isso seria muito desagradável. Aliás, vale também para o Senado, com o Renan Calheiros (PMDB-AL). Não dá para acusar ninguém, mas há essa preocupação. E vai gerar um constrangimento absoluto caso os dois sejam indiciados.

Além da reforma política, que outros projetos o senhor considera prioritários para entrar na pauta? A reforma tributária também estaria nessa lista?Elencamos, em nossa plataforma, mais de 30 projetos que tem que ser enfrentados logo de cara. Entre eles, a garantia de direitos trabalhistas que estão sempre sob ameaça de precarização. Quanto à reforma [tributária], nossa plataforma é a justiça tributária. Todos falam em reforma tributária, mas ela tem que começar pela taxação de grandes fortunas. Até o [economista francês Thomas] Piketty, na sua obra consagrada, O Capital no Século 21, fala da importância da justiça distributiva. E tudo bem, discute, faz o bom debate, quem ganhar ganhou, quem perder, perdeu. O importante é ter uma Câmara viva, e não uma sucursal do Palácio ou um eterno impasse em que nada se delibera.

Há dois candidatos da base de apoio ao governo: Cunha e Chinaglia. O senhor enxerga diferenças entre eles?Há uma diferença de trajetória política. O Eduardo Cunha sempre foi um político dos negócios, ele se assume como um defensor intransigente da grande iniciativa privada e está aqui para defender seus interesses. Já o Arlindo, não. Ele vem do sindicato dos médicos, com viés socialista. Então, há nuances entre eles. Só que ele [Chinaglia] é o candidato do PT de hoje, que está muito longe dessas propostas.

O senhor reconhece que há uma diferença de trajetória entre os dois – sendo Chinaglia muito mais próximo ao que pensa o PSol. Sua candidatura não pode acabar prejudicando um candidato mais à esquerda e favorecendo um candidato mais conservador?Não. Até porque defendemos rigorosamente tudo o que o PT sempre defendeu, em termos de um parlamento mais poroso às demandas sociais, austero, ético, transparente. Se alguém mudou, não fomos nós. Os votos que a gente vai ter não tendem a ser muitos, até porque não sou candidato do "sindicato dos deputados" – e há um corporativismo muito forte por aqui. Não sei como isso prejudicaria o PT. E se prejudicar, também, paciência. Não posso é prejudicar a ideia de um parlamento democrático, e isso minha candidatura não prejudica. Muito pelo contrário, só colabora.

Ele [Chinaglia] já foi presidente da Câmara. Como o senhor avalia sua gestão?Acho que ele se comportou com equilíbrio. Quem definia a pauta era o colégio de líderes. A maior reclamação que eu lembro é que ele dificultava o recebimento de horas extras dos funcionários [risos]. Ele até ganhou o apelido de dez para as sete, quem não batia o ponto até sete horas... Ele não prorrogava as sessões para não pagar hora extra, medidas que desagradavam a galera [risos]. Era uma economia injusta, muitas vezes. Não me parece que tenha feito nada de excepcional, mas foi uma gestão equilibrada. E conservadora, no sentido mais amplo da palavra.

Há uma avaliação quase unânime de que este será o Congresso mais conservador nos últimos 30 anos. Isso pode ter um impacto na eleição? E na legislatura?Na eleição, sim. O Eduardo Cunha assume claramente essa posição, e provavelmente terá voto dos fundamentalistas evangélicos, da bancada bala. Normalmente, o [Jair] Bolsonaro (PP-RJ) se lança candidato. Até agora, não se lançou, deve estar fechado lá com o Eduardo Cunha. Ele [Cunha] já declarou que algumas questões, como casamento civil igualitário e política de drogas, não vão ser colocadas em pauta e ponto final. E isso tem um público. Agora, o que eu aprendi nesses anos todos é que a Câmara é muito sensível ao clamor da rua. Como a gente vai viver um período de tensões e mobilizações, pode ser que esse perfil conservador não se manifeste tanto assim.

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