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Celso Lafer: ex-ministro critica "ideologização" na política externa de Lula. | Arquivo
Celso Lafer: ex-ministro critica "ideologização" na política externa de Lula.| Foto: Arquivo

Ex-ministro é membro da ABL

Da Redação

Um dos principais pensadores da política internacional, importante jurista e cientista político do país, Celso Lafer ocupa a cadeira 14 da Academia Brasileira de Letras desde julho de 2006, sucedendo ao jurista Miguel Reale no posto. Em 45 anos, publicou cerca de 20 livros e foi coautor de outras oito obras. Muitos dos títulos tratam da política externa do Brasil, mas também há analises sobre os trabalhos dos escritores Gil Vicente e Camões.

Além de ministro nos governos Collor e Fernando Henrique, Lafer foi embaixador do Brasil na Organização Mundial do Comércio e na Organização das Nações Unidas (ONU). Não foi, no entanto, o primeiro da família a ocupar um cargo político. Durante o governo Juscelino Kubitschek, seu tio Horácio Lafer foi ministro das Relações Exteriores.

Fora do cenário político, atualmente Lafer é professor titular da Universidade de São Paulo (USP). Desde 2002, é membro da Corte Permanente de Arbitragem Internacional de Haia e em 2007 assumiu a presidência da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo.

Ex-ministro das Relações Exteriores nos governos Fernando Collor e Fernando Henrique Cardoso, Celso Lafer diz que há um "componente ideológico excessivo" na política internacional brasileira durante a gestão Lula. Para ele, essa situação provoca vários equívocos nas relações com outros países. O mais notório seria a visita frustrada ao Brasil do presidente do Irã, Mahmoud Ahmadinejad, que deveria ter ocorrido na semana passada. Lafer concedeu entrevista à Gazeta do Povo, por telefone, na última sexta-feira.

Por que o Brasil tem enfrentado tantos problemas com os vizinhos?

O Brasil, por suas dimensões continentais, está entre os países do mundo com o maior número de vizinhos. E as relações de vizinhança podem ser mais cooperativas ou mais tensas, dependendo do momento. Acho que há um empenho permanente da política externa brasileira de fazer de suas fronteiras áreas de cooperação. Mas as tensões, às vezes, são inevitáveis.

Quais as diferenças entre os governos FHC e Lula na condução dos conflitos com a vizinhança?

No governo do presidente Fernando Henrique, a política foi aproveitar as sinergias da proximidade para criar a cooperação. Isso ocorreu em várias áreas: agricultura, energia, transporte. Havia a ideia de que a América do Sul oferecia condições de ampliar a competitividade dos países. É preciso ressaltar, por outro lado, que durante o governo Lula tivemos uma série de mudanças políticas no âmbito dessa vizinhança. Houve uma exarcebação das posições do presidente Hugo Chávez na Venezuela, a ascensão do Evo Morales na Bolívia e a eleição de Rafael Correa no Equador. Tivemos todo tipo de conflito, como aquele entre a Colômbia e o Equador com relação às Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia). É um período de muita tensão.

O Brasil está agindo bem nas negociações com o Paraguai sobre a questão do Tratado de Itaipu?

O que me parece, pela leitura que faço dos jornais sobre o que está acontecendo, é que o governo está procurando oferecer mecanismos úteis para o desenvolvimento do Paraguai. Com isso, permitiria ao Paraguai que faça uma utilização melhor da energia gerada por Itaipu no âmbito do seu próprio território. Eu acho isso positivo. Há uma posição clara do governo de não alterar o Tratado de Itaipu, sobretudo a questão da obrigatoriedade da venda para o Brasil da energia não utilizada pelo Paraguai. Vejo que há um esforço de encontrar uma solução, e o governo, ao que me parece, está procurando encaminhar isso com cuidado.

Há especialistas que criticam o excesso de ideologia do governo Lula nas relações internacionais. O senhor concorda com essa tese?

No meu entender, tem havido sim um componente ideológico excessivo. Para isso contribui o fato de o assessor diplomático do presidente, Marco Aurélio Garcia, ter sido durante muitos anos quem cuidou da política externa do PT. Ele levou para suas funções atuais a visão de partido, a qual não é a visão de Estado, na condução da política internacional. Ocorreu da mesma maneira com o secretário-geral do Itamaraty, Samuel Pinheiro Guimarães. Penso que, às vezes, isso leva a equívocos. O mais óbvio ocorreu no caso recente da visita frustrada ao Brasil do presidente do Irã, Mahmoud Ahmadinejad.

É mesmo um equívoco aproximar-se do presidente do Irã?

A Constituição Federal estabelece nas relações diplomáticas do Brasil a prevalência dos direitos humanos. Por causa disso, o Brasil assinou vários pactos internacionais. O presidente do Irã vem advogando claramente o não cumprimento do papel dos direitos humanos. Vale lembrar que ele disse recentemente que Israel é um "micróbio destruidor". Isso é um capítulo evidente de instigação aos ódios públicos. Essa visita seria errada, seria contra a Constituição, além de significar uma afronta aos direitos humanos no plano interno, com relação à comunidade judaica e aos homossexuais. Além disso, significaria trazer ao Brasil um candidato a presidente que se valeria da visita ao país no processo eleitoral do Irã.

O protagonismo do presidente Lula entre os principais líderes mundiais é consistente?

A posição do Brasil no plano internacional neste momento é bastante positiva. O país está em condições de enfrentar a crise financeira melhor do que outros países, muito em função da continuidade das políticas macroeconômicas conduzidas durante o governo Fernando Henrique. O presidente Lula soube se valer dessa situação favorável e está desempenhando um bom papel. Mas acho também que o Brasil se desgasta em algumas situações, como quando tenta receber o presidente do Irã. Há ainda um outro problema em efervescência que é a recusa do governo brasileiro em apoiar dois grandes nomes nacionais para a direção-geral da Unesco (Márcio Barbosa e Cristovam Buarque) para apoiar um obscuro candidato egípcio (Farouk Hosni). Não é que estamos cedendo a posição a um prêmio Nobel de Física ou Literatura, trata-se de um nome realmente obscuro. É um jogo que enfraquece o multilateralismo.

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