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Luiz Geraldo Mazza intitula-se, aos 76 anos, o mais velho jornalista em atividade no Paraná. A idade, porém, está longe de frear a língua do comentarista político da CBN e da Folha de Londrina. Ácido crítico do governador Roberto Requião (PMDB) e do prefeito de Curitiba Beto Richa (PSDB), vê com bons olhos a crise entre os dois. Para ele, o conflito desencadeado na semana passada entre ambos é benéfico para o estado, acostumado à "passividade política". E lembra que esse tipo de briga é algo que já tem história no Paraná.

No que a briga entre Beto Richa e Roberto Requião vai acabar?

Não é a primeira vez que há atrito entre prefeitura e governo do estado. É só lembrar que o Requião (na época governador) tentou impedir a integração do sistema de transporte e o Lerner (então prefeito) depois foi para a Justiça. Depois houve aquela bobagem da derrubada das cercas do Centro Cívico (em 2003), quando o Requião tratou o tema como se fosse a derrubada do Muro de Berlim, a tomada da Bastilha. Acho que os atritos, na verdade, têm tudo para ser saudáveis.

Mas esse é saudável?

Estamos num beco provocado pelas intrigas do Requião. Mas, dentro disso tudo, temos aspectos positivos. A Gazeta do Povo, por exemplo, é atualmente muito mais jornal que era antes. Nós devemos isso ao Requião, que provocou tanto os meios de comunicação que eles tiveram que se mexer. Antes, as reações dos nossos jornais eram muito débeis. Agora não, estamos cobrindo tudo. Para mim, basta ao veículo de comunicação ser documental, nem precisa tomar posição ideológica. Ser documental já é suficiente para deixar nosso governador evidentemente enlouquecido.

Por que o governador implica tanto com a imprensa?

Acho que é um truque. É você criar inimigos reais ou imaginários para estabelecer uma situação de defesa. Na velha tradição brasileira existe a questão da culpa, do sujeito estar sendo perseguido. Aliás, a mídia tem é uma tradição de complacência com os governos. Aquela história de choque de democracia prometido pelo Requião, quando disse que ia cortar a verba de publicidade destinada aos grandes veículos, é muito boa. É a hora da verdade, a mídia vai ter de sobreviver com sua força, com sua possibilidade dentro do mercado. O que está acontecendo é isso, mudança de atitudes dos jornais. E também do prefeito, que é uma pessoa também acanhada, inexpressiva, em lua-de-mel com o poder, mas que nesse episódio reagiu muito bem. Ele tem de reforçar o seu papel de oposição.

Essa definição clara entre situação e oposição vai fazer com que o estado cresça politicamente?

Sim. O nosso problema tem sido a passividade de reação a questões nacionais. O próprio governador levou um tempão fazendo críticas ao governo, tentando ser uma espécie de anti-Lula. Ele cria falsos adversários assim como cria falsos aliados.

O Lula é agora um desses falsos aliados?

Na verdade, ele defendeu o Lula nas duas eleições e ganhou em ambas com o apoio do presidente. Se o Lula não o apoiasse na eleição passada, ele não ganharia. Ele perderia – e sabe disso. Só que hoje, por exemplo, o Requião está de bem com o Lula porque viu a possibilidade de desatar alguns nós que ele mesmo criou, como o Porto de Paranaguá, os precatórios do Banco Itaú, das ações da Copel que foram dadas em garantia... Isso tudo está ligado.

A postura agressiva do governador neste novo mandato é surpreendente?

Nada no Requião é surpresa. Surpreenderia a serenidade, o equilíbrio. O Requião é assim. Agora, nós o elegemos. Ele ganhou uma eleição apertada, mas ganhou. É o jeito dele. Houve uma época que eu achei que o Requião era a subversão do diagrama. Esse estilo de abrir brecha, escalar adversário, tem um efeito longo na história dele. Nesse aspecto, o Requião é bom para nós, é um desafio para mim, para você, para todos. Ele é nosso governador. E o cara faz isso no estado. Se nós nos omitimos vão querer o quê? Temos é que reagir. Assim também ajudamos a educar o Requião, fazer com que ele controle os hormônios. Fazer ele pensar antes de falar, antes de agir.

E qual o futuro político do Requião?

O Requião não acaba pelo seguinte: num país em que as pessoas não sabem falar, ele sabe. O Requião não é um cara de cultura, mas é um cara que acredita em seu poder de intuição. Duvido que ele conheça a Conferência de Puebla, que ele tanto adora citar. Ele sabe sobre tudo aquilo que serviu de background para a Teologia da Libertação, que tinha grandes pregadores aqui no Paraná. Mas tem algum seminarista que vai discutir com o Requião esse assunto? Não vai. Se for, vai ver que o Requião não sabe o que está falando. Mas aí é que está: ele tem talento. O Jaime Lerner pegou bem isso. Ele dizia assim: eu não posso enfrentar o Requião porque o Rafael Greca responde em um segundo o que vou levar dois dias para responder. O Requião é um talento, não vai encerrar a carreira. Mas vai ter um governo tempestuoso, ao que tudo indica. Embora possa ter um apoio grande do governo federal.

Ele deve deixar algum sucessor?

Não. Até hoje ele não elegeu ninguém, só ele próprio. A carreira do Requião está preservada, apesar de todos os processos contra ele. O Requião precisa de mandato porque, se perder uma eleição, perde o foro privilegiado e aí vem um monte de processo em cima dele. Sem acidente de percurso, ele vai chegar no final do mandato e consegue se eleger senador, e fica mais oito anos na política. Sempre vai haver espaço para uma pessoa como ele. O Requião desafia a todos nós. Essa é a verdade.

Como estão se desenhando as eleições municipais em Curitiba?

Acho que o Beto Richa concorre quase sozinho. Essa nova obra, a Linha Verde, que não tem nada de verde, vai abrir o caminho. E não é só isso, a cidade está um canteiro de obras.

Quem pode concorrer com ele?

O Requião não tem candidato. O Paraná não tem quadro, essa última eleição provou isso. Não tem quadro no governo, falta quadro em relação aos deputados, em vários lugares. Então, é a mesmice de sempre. O Requião é o primeiro governador a se eleger três vezes. Mas, por quê? O PMDB tinha outro nome? Não tinha. O PMDB é mais importante que o Requião? Não é. Ele está pensando no reitor da UFPR (Carlos Augusto Moreira Júnior), que foi numa reunião do partido e deixou os militantes entusiasmados. Claro que é interessante a um partido que em matéria de QI, de intelectualidade, não é lá muito rico, ter um reitor como candidato. Só não sei se ele teria pegada para uma parada dessa. Talvez o Ratinho Júnior, mas sei lá...

Jaime Lerner pode voltar a se candidatar?

O Jaime tirou o time de campo, parece que esgotou o seu processo político. Muita gente fala que ele pode vir a ser candidato a prefeito, eu duvido. Repito: nosso quadro é muito pobre. O Beto Richa não é um mau candidato para a mídia. Só que as pessoas não contam que o transporte de Curitiba é subsidiado pela prefeitura. Eu falo na rádio, ponho no jornal, mas quem fala isso? São R$ 5 milhões por mês, isso é mais barato do que fazer propaganda.

Então o Beto criou uma nova maneira de fazer propaganda, subsidiando o transporte coletivo?

Claro. O que o Beto Richa fez? Ameaçou os empresários com uma licitação, e até não sei se juridicamente é possível fazer isso. O empresário do transporte de Curitiba é demonizado. O Beto agiu de uma maneira diferente, com alguma inteligência. Não acho que ele seja uma pessoa muito articulada, é menos que o pai (José Richa), que tinha uma empatia muito forte. Tem até uma piada: quando brigavam o Requião contra o Richa, diziam que era a luta do "truculento" contra o "turculento".

Que impacto teve para o Paraná a eleição da presidência da Câmara dos Deputados?

Foi o maior momento para o Paraná nas últimas décadas e mais um motivo de inveja para os políticos adversários. Porque o Gustavo Fruet (candidato derrotado à presidência da Câmara) não é um moralista fajuto, nem foi criado pela mídia. Ele é uma pessoa real. Por isso os nossos parlamentares estão no grande momento que estão. O Fruet, mesmo com a derrota, proporcionou um dos melhores momentos políticos da nossa história. Ele é a expressão do novo.

Mas só ele?

Não, tem gente aí que pode estar na política, mas foge. Quando na atividade pública aparece alguém como o Fruet, isso nos deixa perplexos. Já imaginamos que o Requião fosse isso lá nos anos 80, quando foi eleito prefeito. Mas infelizmente não foi. Esse tipo de coisa gera certo receio.

Luiz Geraldo Mazza, jornalista.

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