Dizem que ninguém escapa dos impostos e da morte. Seria possível colocar aí um terceiro elemento: a burocracia. Do dia que vem ao mundo ao que desce ao túmulo, o brasileiro se vê lançado num labirinto de papéis e carimbos. Se não tem certidão de nascimento, simplesmente não existe para o Estado. E também não morreu, mesmo morto, se não tiver a papelada para atestar o seu “passamento” – até nove documentos são exigidos para tirar a certidão de óbito.
Em qualquer nível de governo, um pouco de burocracia – regras de procedimentos dentro do Estado e no relacionamento com os cidadãos – é necessário para garantir um tratamento igual para todos os cidadãos. Mas a diferença entre o remédio e o veneno é a dose. E a dose da burocracia no Brasil é cavalar. O país é um dos mais burocráticos do planeta, segundo levantamento do Banco Mundial – veja os dados.
Assim, a república dos carimbos que se instalou no Brasil virou um entrave para os negócios e para a pesquisa científica e tecnológica. Também atrapalha investimentos sociais feitos por entidades da sociedade civil. Dificulta a vida dos cidadãos quando pretendem exercer seus direitos. Dificulta a vida dentro do próprio governo: sobretudo os municípios perdem verbas por não conseguir cumprir as exigências de estados e da União. E a burocracia, por fim, propicia a corrupção ao deixar nas mãos de agentes do Estado a possibilidade de usar as dificuldades para vender facilidades. Mas, apesar disso tudo, o enfrentamento dos excessos burocráticos tem sido um assunto secundário na agenda nacional.
Mais pobre
O Brasil é mais pobre por causa da burocracia. Estudo de 2010 da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) estimou que o custo dos encargos administrativos governamentais exigidos dos cidadãos e empresas chega a 2,76% do Produto Interno Bruto (PIB) – hoje seria equivalente a R$ 163 bilhões, mais do que os investimentos em obras previstos para este ano pelo orçamento da União (R$ 148,3 bilhões, somando as obras do governo e das estatais federais). A pesquisa da Fiesp estimou que seria possível reduzir a burocracia para 1,47% do PIB – o que iria gerar uma economia anual de R$ 61,6 bilhões para a sociedade. Tudo isso apenas adotando medidas já existentes em países desenvolvidos.
Sete anos depois, porém, a própria Fiesp avalia que o custo da burocracia no país estava subestimado e pode ser bem maior. Coordenador da comissão de desburocratização da entidade, Abdo Hadade diz que estudo recente da OCDE indicou que, na Europa, o custo equivale a algo entre 3% a 4% do PIB, mais do que os 2,76% estimados para o Brasil. “E lá as coisas já são bem menos burocratizadas do que aqui.” A boa notícia da OCDE é que a pesquisa concluiu que um corte de apenas um quarto dos encargos burocráticos é capaz de aumentar a riqueza nacional em até 1,1% no curto prazo e 1,4% no longo.
Mar de papéis
Cidadãos, empresas e entidades do terceiro setor perdem tempo e dinheiro preenchendo formulários, verificando como proceder e eventualmente sendo multados ou punidos por descumprir uma norma que interpretaram de forma equivocada ou nem sabiam existir. Existe um princípio legal de que ninguém pode alegar desconhecimento de uma lei para descumpri-la. Mas é humanamente impossível seguir esse preceito. “O Brasil tem 5 milhões de leis, normas e procedimentos”, diz Hadade. “São editadas 764 normas por dia útil no país nos três níveis de poder [União, estados e municípios]. Se fossem impressas em papel A4 e colocadas numa fileira, seriam 6 quilômetros de normas. Todos os dias.”



