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Mesmo quando contam com um parceiro, os homossexuais que sonham com a paternidade têm optado por enfrentar sozinhos o processo de adoção. Assim, evitam as dificuldades legais para registrar uma criança com dois pais ou duas mães. Em breve, no entanto, a estratégia pode se tornar desnecessária. Relatório aprovado pela Comissão Especial da Lei de Adoção sugere mudanças na legislação atual, entre elas o estabelecimento de direitos iguais para casais hetero e homossexuais. De acordo com o Estatuto da Criança, maiores de 21 anos podem em conjunto ou individualmente adotar filhos, mas não há na lei referência clara a casais homossexuais.

O texto que tramita na Câmara ainda será submetido a votação em plenário, mas reacende a discussão sobre o assunto, que ganhou força em dezembro do ano passado, quando uma menina de 5 anos foi registrada por dois pais, em Catanduva, no interior de São Paulo. Vasco Pedro da Gama, de 38 anos, e Júnior de Carvalho, de 46, se tornaram o terceiro casal homossexual a conseguir o registro conjunto no Brasil.

Antes, porém, eles também preferiram fazer a adoção unilateral, em nome de Gama, para só depois pedir o reconhecimento da paternidade de Carvalho.

- Além de ser um reconhecimento da nossa união, a certidão com os dois nomes dá um apoio para a Teodora. Nossos bens, por exemplo, estão todos no nome do Junior - explica Gama, preocupado com a herança que o casal deixará para a filha adotiva.

Para o coordenador do grupo Arco-íris, Cláudio Nascimento, os gays ainda enfrentam o preconceito, inclusive quando optam pela adoção unilateral.

- A lei, por critérios subjetivos, acaba excluindo os homossexuais, mas o que se deve levar em conta são as condições econômicas, a estabilidade emocional e um espaço em casa bem estruturado para garantir bem-estar social da criança. Isso é o que já está na lei e tem que ser garantido na avaliação de qualquer um - cobra Nascimento, que é também secretário-geral da Associação de GLBTs do Brasil.

Dificuldades

Exemplo da dificuldade enfrentada nos processos de adoção, um tradutor carioca que tenta adotar duas crianças suspeita que seja vítima de preconceito por ser homossexual declarado. O candidato a pai - que preferiu não se identificar - voltou a morar no Brasil em 2005 e no mesmo ano foi incluído no cadastro de adotantes. Pouco depois, o Ministério Público (MP) apelou contra a sua aprovação, alegando que possivelmente o tradutor voltaria a morar na Europa, onde viveu por 11 anos. Ele diz, no entanto, que a promotora responsável pelo caso alega também que crianças de até 4 anos precisariam da figura materna.

O professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Pedro Paulo Bicalho, especialista em psicologia jurídica, discorda. De acordo com ele, a ausência do pai ou da mãe pode ser contornada:

- Se não, o que seria das crianças que perdem o pai ou a mãe? Além disso, quantas mães são mães e pais ao mesmo tempo? A função paterna também está para além da figura masculina. É possível que casais gays desenvolvam essas duas funções, que são lugares ocupados na sociedade.

Embora não existam restrições legais explícitas para que dois homens ou duas mulheres adotem em conjunto, a interpretação da lei não é uniforme. Para a advogada especialista em direito de família Sylvia Mendonça do Amaral, mudanças são fundamentais para garantir os direitos de casais homossexuais. Do contrário, segundo ela, as principais prejudicadas serão as crianças, que nas adoções individuais só têm direito à herança do adotante.

- Alguns juízes dizem que, segundo o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), a adoção pode ser feita individualmente ou por um casal, o que significa, de acordo com a lei, um homem e uma mulher. Muitos juízes se atêm à literalidade da palavra casal, mas o direito de família é muito subjetivo, não pode ser "pão, pão, queijo, queijo "- argumenta Sylvia.

Adequação

De acordo com o mestre em direito Luiz Manoel Gomes Júnior, da Universidade de Ribeirão Preto (Unaerp), as alterações propostas na Câmara são uma tentativa de adequar o ECA ao novo Código Civil, de 2002. Professor do advogado que ganhou a causa do casal de Catanduva, Júnior solicitou que o Supremo Tribunal Federal (STF) determine que todos os juízes do país tratem de forma igual a adoção por casais hetero e homossexuais. De acordo com o professor, a ação terá que ser encaminhada ao STF pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), que deve avaliá-la ainda no primeiro semestre deste ano. Ele acredita que a aprovação do relatório na Câmara aumentaria as chances de uma avaliação positiva da OAB, mas aposta que o relatório da Comissão Especial vai enfrentar resistência no plenário da Casa.

- Penso que o Congresso não vai aprovar esse relatório. O projeto apresentado pela ex-deputada Martha Suplicy (sobre a união civil de casais homossexuais) nunca conseguiu andar. Os congressistas são muito insensíveis a essa questão - critica o professor.

A emenda que garante a adoção por casais homossexuais é de autoria da deputada Laura Carneiro (PFL-RJ), mas no próprio partido ela já enfrenta adversários. Membro da Comissão Especial da Lei de Adoção, o deputado pefelista Couraci Sobrinho é contra a proposta e lembra que dificilmente os grupos religiosos votarão a favor da medida:

- Acho que primeiro temos que trabalhar pela união estável, que ainda não existe. E na Câmara as coisas só evoluem com acordo, que nesse caso não é nem partidário, envolve vários grupos religiosos.

Judiciário à frente

O desembargador Siro Darlan, que foi juiz da Vara de Infância e Adolescência durante 14 anos, acredita que o Judiciário está à frente do Legislativo no processo de reconhecimento de direitos dos homossexuais.

Hoje com 11 anos, o menino Pedro Paulo foi adotado pelo professor com um diagnóstico de pneumonia dupla e precisou ser acompanhado por uma enfermeira. Embora tenha se tornado um símbolo da luta dos gays, Pereira afirma que não defende uma classe:

- Querem que eu defenda os direitos dos gays, mas não acredito que exista uma classe a ser defendida. O indivíduo deve ser avaliado individualmente pelo Juizado da Infância. Eu espero que, um dia, a opção sexual não seja mais uma questão e isso não seja mais discutido - diz Pereira, que conta sua história no livro "Retrato em branco e preto".

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