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Ivens Gandra: "Posições aparentemente antagônicas na verdade estão muito próximas quanto aos princípios" | Luiz Silveira/Agência CNJ
Ivens Gandra: "Posições aparentemente antagônicas na verdade estão muito próximas quanto aos princípios"| Foto: Luiz Silveira/Agência CNJ

Em meio à polêmica que envolve temas como união homoafetiva, aborto e legalidade do ensino religioso em escolas públicas, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) tenta aprofundar o debate sobre os limites entre Estado laico e liberdade de religião. Durante seminário realizado ontem em Brasília, juristas e especialistas internacionais expuseram propostas para amenizar conflitos e propagar um ambiente de cooperação. O embate não é restrito ao Brasil e, na visão geral dos participantes, vai ganhar cada vez mais evidência nos próximos anos.

"De um lado há essa afirmação do caráter laico do Estado, que não pode tomar partido em termos de religiosidade. Mas por outro lado, há também essa tendência natural e legítima das pessoas em expressar a sua religiosidade de diversas formas", disse o presidente do CNJ e do Supremo Tribunal Federal (STF), Cézar Peluso. O discurso marca o tom da diferença entre visões dentro do Poder Judiciário.

O próprio conselho enfrenta ambiguidades. Em 2007, o órgão negou um pedido para a retirada dos crucifixos de todos os tribunais brasileiros, sob o entendimento de que o objeto não torna o Estado clerical. Dois anos depois, o CNJ validou a decisão do presidente do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro que havia retirado o crucifixo da sala de sessões da corte.

Entre os participantes do encontro estava o procurador da República Daniel Sarmento, professor de direito constitucional da Universidade do Rio de Janeiro. Ele foi um dos apoiadores do pedido de retirada dos crucifixos e ajudou na formulação da ação direta de inconstitucionalidade que questiona a obrigatoriedade do ensino religioso nas escolas públicas brasileiras. Ontem, no entanto, Sarmento fez uma exposição em que defendeu a cooperação entre religiosidade e Estado laico.

"Não precisamos de um debate tão quente, mas precisamos de boa vontade de todas as forças", defendeu. Segundo ele, o conceito de laicidade passa pela construção de um Estado que não seja hostil à religião. "A Constituição de 1988 fala de um modelo de cooperação, não de uma muralha entre Estado e religião."

Por outro lado, explicou que os símbolos estatais não podem ser os símbolos de uma religião, mesmo que ela seja majoritária no país. Para o professor, a democracia deliberativa vigente no Brasil está calcada na ideia de que os cidadãos estão dispostos a abrir mão de suas opiniões. Sarmento também defendeu a aplicação de um princípio de "tradução", ou seja, os argumentos religiosos podem ser utilizados desde que possam ser traduzidos em razões públicas.

Na mesma linha, o professor Kent Greenawalth, da Escola de Direito da Universidade de Co­­lumbia (Estados Unidos), lembrou que o pastor norte-americano Martin Luther King usava a linguagem religiosa para falar com racionalidade sobre a razão pública. Também citou a criminalização do incesto. "Não é uma prática que deve ser criminalizada porque é pecado, mas sob o argumento de que gera um dano pessoal e social", disse Gree­nawalth.

Na sequência, o padre Rafael José Stanziona de Moraes fez uma palestra sobre a evolução da igreja católica sobre a laicidade. "Ao contrário do que normalmente se possa imaginar, a igreja vê com bons olhos a laicidade do Estado. E não enxerga como algo que deve ser apenas aceito, mas procurado", afirmou o sacerdote, que é doutor em Teologia Moral pela Universidade de Navarra.

Organizador do evento, o conselheiro do CNJ e ministro do Tribunal Superior do Trabalho Ives Gandra Martins Filho se disse satisfeito com o resultado da discussão. "Uma das coisas que nós vimos no seminário é que as posições aparentemente antagônicas na verdade estão muito próximas quanto aos princípios. Todos concordam com a premissa básica de que o Estado é separado da Igreja e que deve haver liberdade religiosa. O desafio é como aplicar isso em casos concretos."

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