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O jornalista Ricardo Boechat, indignado como todos ficamos com o linchamento do Guarujá, fez ontem uma ligação do crime com a incitação ao justiçamento. "Esse crime aí, minha gente, tem tanta responsabilidade o autor do boato espalhado pela internet (...) quanto pessoas que, mesmo em emissoras de televisão, estimulam a cultura da justiça com as próprias mãos. Isso está dentro do mesmo panorama, que propicia, estimula, que justifica o linchamento."

Os alvos de Boechat eram dois. De um lado, os linchadores que, apenas por achar que a mulher se parecia com um retrato-falado, decidiram que era o caso de espancá-la até a morte. Algo, obviamente, inadmissível em uma sociedade que se quer civilizada. Fabiane, segundo o noticiário, foi morta de Bíblia na mão, carregando fotos das filhas que não viu crescer. Confundiram-na com alguém acusado de magia negra.

O outro alvo foi a jornalista Rachel Sheherazade, do SBT, que falou recentemente sobre outro caso de justiça feita com as próprias mãos. Um rapaz acusado de roubo foi amarrado a um poste, nu, e deixado lá. Sheherazade disse que a atitude era "compreensível", já que a Justiça muitas vezes tarda ou falha. Compreensível?

"É hora dessas pessoas, agora, virem a público [para explicarem] como se sentem depois da consumação de sua própria teoria, na prática", disse ontem Boechat sobre a colega do SBT, sem citar nomes. Sheherazade talvez não se pronuncie sobre o caso. Certamente diria que são coisas diferentes: já afirmou que não quis incitar a violência. Mas se não se pronunciar será também porque o SBT, depois de ver a reação da sociedade, que felizmente não tolerou a tolerância com a barbárie, decidiu retirá-la do papel de comentarista.

Sheherazade pode dizer que não quis incitar a violência. Apenas tentou entender a psicologia dos justiceiros. Diz o adágio que quem tudo entende tudo perdoa. Algumas coisas precisam permanecer incompreensíveis para a nossa sensibilidade. Amarrar alguém nu a um poste é uma delas. Linchar alguém? A mesma coisa. Não podemos compreender. Não devemos. Isso diminuiria nossa indignação e, por tabela, nossa humanidade. Boechat está certo em repreender a comentarista. Ela ultrapassou a fronteira do admissível.

A jornalista havia causado polêmica em várias outras ocasiões por criticar o atual governo petista. Estava em seu pleno papel. Como diria Millôr Fernandes, jornalismo é oposição, o resto são secos e molhados. Foi criticada por ter opiniões conservadoras. Bobagem. Tem todo o direito a tê-las. Ou agora temos todos que pensar do mesmo modo? O problema veio quando ela se mostrou "compreensível" com a barbárie, com o desumano, com o intolerável.

O linchamento foi obra de outras pessoas, que terão de pagar por isso. Mas se queremos ter um país civilizado é preciso que as pessoas sejam responsabilizadas pelo que dizem. O dono de um time de basquete profissional dos Estados Unidos foi banido para sempre da NBA – e perdeu o time – por ter dado declarações racistas. É o caminho para a civilização. Sheherazade apoiou indiretamente outro tipo de barbárie, tão grave quanto o racismo. Não se pode fechar os olhos para isso.

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