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Um vídeo que circula pela internet mostra o presidente norte-americano Barack Obama visitando uma penitenciária. Ele não só conversa com os presos: cumprimenta cada um respeitosamente, chama de senhor. Pergunta nomes, diz que é um prazer conhecê-los. Quando senta para conversar, começa com uma frase ímpar: agradece aos presos por tirarem um tempo para falar com ele.

Obama, como todo mundo, tem seus defeitos. Mas seu carisma muitas vezes tem algo de civilizatório. Como quando mostra que não é papel dele ter ódio das pessoas que cometeram erros. Criminosos têm de estar presos, como aqueles estavam. Nem por isso é preciso desejar que vivam num inferno na terra. Pelo contrário. Se forem tratados como bichos, vão virar algo semelhante a bichos.

Muita gente, porém, continua acreditando que cadeias devem ser instrumentos de tortura. E há muitos que acreditam que o melhor mesmo é nem deixar que alguns criminosos cheguem à cadeia. Para esses, o ideal é que morram antes: assassinados pelos policiais ou pela população, em vingança feitas pelas próprias mãos. É o discurso da barbárie.

Por esses dias, vários fatos revelaram a força desse tipo de pensamento no Brasil. A lista inclui uma pesquisa feita pelo Datafolha em que 50% da população disse concordar que “bandido bom é bandido morto” (a Região Sul teve o maior índice de concordância, com 54%). E inclui a revelação de que 23 mortes na região metropolitana de São Paulo foram cometidas por policiais e cúmplices como vingança.

Outro fato ocorreu nesta terça (13), aqui mesmo em Curitiba. O delegado Rubens Recalcatti foi preso pela acusação de ter participado, junto com sete outros investigadores da Polícia Civil, de um assassinato em Rio Branco do Sul. O delegado, claro, terá o direito de defesa e poderá inclusive comprovar sua inocência. Assim funciona o Estado de Direito. Sua prisão pode ser contestada, até mesmo judicialmente.

No entanto, uma multidão raivosa foi às redes sociais assim que soube da prisão de Recalcatti para dizer que aquilo era um absurdo. Não se dizia que o delegado era inocente da acusação (sem ver o que está na investigação, como saber?) Diziam outra coisa, bem diferente. Que se a acusação era de matar um bandido, não se deveria prender o delegado. Pelo contrário, o que devíamos fazer era parabenizá-lo por “limpar” a cidade. O clima era algo como “onde irá parar um país que prende os que matam bandidos”.

O nome disso que os senhores e senhoras internautas fizeram está no Código Penal. É a apologia ao crime. Quem incide nisso torna-se criminoso. Ironia que peçam a morte de quem infringe a lei. É fato que o país pelo menos está discutindo isso e que aqui e ali começam a ir presos os justiceiros. Mas sem que a população mude de pensamento, é como tentar ajudar a proverbial velhinha que não quer atravessar a rua.

Desde o século 17 o mundo teoriza sobre a diferença entre civilização e Estado de Natureza. E a diferença é justamente essa: antes da civilização, cada um tem direito de matar, de se vingar, de fazer justiça como queira. Para que sejamos civilizados, precisamos delegar esse poder ao Estado.

Evidente que a inoperância do Estado – a impunidade, a lerdeza do Judiciário e tudo o mais – podem nos exasperar. Mas o que não se pode é abandonar o projeto civilizatório de vez para defender a lei do mais forte. Para quem quer saber como isso termina, basta ver qualquer ficção que retrate um mundo em que não há lei nem Estado. Algo como O senhor das moscas ou A estrada pode ajudar quem estiver na dúvida.

Não vale a pena.

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