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Henry Ford dizia que os clientes de sua fábrica podiam escolher qualquer cor para seus carros, desde que eles fossem pretos. A graça estava na contradição. O governo do Paraná diz agora que está aberto a negociações com o funcionalismo. Desde que eles aceitem um reajuste de 5%. Aqui, a contradição não tem graça. Foi realmente o que os professores grevistas e os demais sindicalistas ouviram nesta terça-feira (19) em reunião com os principais assessores de Beto Richa.

É evidente que não faz sentido. O governo pode negociar coisas para o futuro, benefícios paralelos, fazer juras de amor. Mas os sindicatos já deixaram claro que pretendem cobrar mesmo a reposição da inflação. Parece justo e está dentro da lei. O governo diz que não tem como fazer isso agora. Pode ser. Porém, os próprios deputados dizem que é preciso arranjar um jeito de colocar o reajuste, ainda que ocorra dentro de alguns meses, no papel. Já. Até porque os servidores não andam com muita disposição para confiar na palavra do governo. No fio do bigode, é garantido: não vai acontecer.

A postura do governo não faz muito sentido para uma entidade política. Lógico, dar aumento demais em momento de crise pode ser populismo. Estourar as contas indevidamente, como fez o mesmo governo, no mandato passado, é algo que ninguém quer. Mas negociar é preciso. E evidentemente uma gestão que está pondo as mãos em R$ 1,5 bilhão da previdência só neste ano, que recebe outros R$ 1,5 bilhão em impostos aumentados e que aumentou a conta de luz em mais de 30% tem que ter alguma margem de negociação.

O problema é que o governo – como quase todo governo no Brasil – se acostumou a uma postura imperial. Não se faz por lei o que se pode fazer por decreto. Não se discute quando existe a possibilidade do tratoraço. Não se negocia se há condições de forçar o projeto goela abaixo da população. A submissão do Legislativo e a “parceria” com os tribunais (incluindo o de Contas) só reforça nos chefes de Executivo a ilusão de que tudo pode.

No atual mandato, no entanto, o fato de os Poderes estarem alinhados não foi suficiente para o governo. É que, por uma estranha conjunção de fatores, dessa vez a condução dos processos não ficou restrita aos políticos profissionais. Lidar com a oposição na Assembleia – isso o governo sabe. Lidar com a oposição nas ruas – isso é bem diferente. E sem saber o que oferecer para uma multidão, o governo do Paraná acabou não oferecendo nada. Acreditou que poderia fazer com que todos engolissem suas decisões, junto com um pouquinho de gás lacrimogêneo. Não funcionou.

O resultado da política da força bruta foram vitórias financeiras e um desastre político. O segundo governo Richa, mal iniciado, se vê esvaziado de credibilidade e de poder de convencimento. Criticado por todo o país, hostilizado por seus próprios servidores, o governo não consegue nem mesmo manter a seu lado aqueles que sempre foram fiéis por interesse. Os deputados pulam do barco por simples receio de mais um desgaste: não estão dispostos a fazer parte de um suicídio político coletivo.

A tudo isso, o governo parece responder com a determinação cega de quem precisa pôr as contas em dia a golpes de facão. Uma determinação que lhe faltou nos quatro anos anteriores, e que levou justamente a essa deterioração das contas públicas. Radicalizados os gastos no primeiro mandato, radicalizam-se os cortes no segundo. Mas o que incomoda não é nem a incoerência. É a impressão de que sempre se tratará quem está fora do Palácio como um obstáculo, e não como um cidadão.

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