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O prefeito multimilionário de Nova Iorque, o republicano Michael Bloomberg, anunciou nesta semana o fim do bolsa-família da cidade. A frase pode parecer estranha por vários motivos. Primeiro, porque muita gente pode imaginar que Nova Iorque, uma das mais ricas metrópoles do mundo, centro do capitalismo global, poderia não ter pobres para depender do auxílio do Estado. Errado: um em cada cinco nova-iorquinos é pobre. Depois, a frase choca por nos fazer imaginar que alguém nos EUA (e um republicano, ainda por cima) poderia pensar em algo como o bolsa-família. Pois é, mas aconteceu.

O programa nova-iorquino, criado em 2007, dava dinheiro para os pobres dependendo do "bom comportamento" deles. O filho vai à escola? Tome US$ 150. Foi ao dentista? Tome mais US$ 100. E assim por diante. Havia prêmios de até US$ 600 e – pasme – as famílias inscritas no programa chegaram a levar, por ano, valores na faixa de US$ 6 mil. Algo em torno de R$ 11 mil. No total, foram pagos US$ 14 milhões para 2,4 mil famílias que participaram do programa piloto.

O balanço apresentado pela prefeitura mostra que o programa – que realmente foi inspirado em programas latino-americanos (menos no Bolsa Família e mais no mexicano Oportunidades) – teve bons resultados. Em três anos, por exemplo, o índice de pobreza entre os participantes foi reduzido em 16%. Mas em outras áreas, como no desempenho escolar de estudantes do ensino médio ou na manutenção de empregos de tempo integral (sim, a prefeitura pagava para quem conseguisse isso também) houve problemas. Por isso a ideia não foi para a frente.

Agora, resta fazer duas perguntas. A primeira é: por que o programa de Nova Iorque não deu certo? A segunda é: existe algo que nós possamos aprender com a experiência de Bloomberg?

Para a primeira, a resposta não é simples. Vale destacar, antes de mais nada, que a primeira (e única) fase foi inteiramente bancada pela iniciativa privada. Como não tinha certeza dos resultados, Bloomberg preferiu não usar um centavo sequer do erário. Pediu a empresários, que doaram a grana. A fase pública não chegou a acontecer. Bloomberg declarou que a grande lição que fica é que, num programa como esse, seria preciso fazer as coisas "bem mais simples". Havia tantas variantes no projeto que as famílias da cidade nem sabiam ao certo o que tinham de fazer para ser premiadas. Aqui, a ideia é diferente: menos condicionantes e uma ideia de renda mínima que dá acesso mais universal a um valor mais baixo.

O fato principal, porém, é que o programa não naufragou porque seu princípio era ruim. Foi abortado porque a estratégia adotada não funcionou. O próprio Bloomberg mandou que os estudos sobre o impacto do programa permaneçam. Serão feitos por mais três anos, mesmo depois do último pagamento realizado. Com as estatísticas em punho, os técnicos poderão avaliar o que deu certo e o que deu errado. De forma fria e inteligente.

E isso nos deveria fazer perceber que nem mesmo um republicano (portanto, um político de direita) no país mais rico do mundo e na sede do capitalismo mundial se furta a considerar um programa de transferência de renda no modelo do Bolsa Família como uma boa possibilidade. E que Bloomberg só desistiu da ideia porque as metas não foram atingidas – porque houve um erro de quem projetou a ideia e ela não funcionou como devia.

E acho que essa talvez seja a principal lição que fica de tudo isso para nós, brasileiros. Embora o Bolsa Família daqui tenha conseguido tirar milhões de pessoas da linha da pobreza ainda há muito preconceito com o programa. Veja bem: isso não quer dizer que seja necessário dar o crédito ao atual governo nem ao anterior, que deu início ao Bolsa-Escola. Como se pode ver, a ideia está no ar, sendo adotada no continente inteiro, e em outros países mais.

O que é preciso admitir, no entanto, é que a ideia não é uma maluquice, nem uma "esquerdopatia", como querem fazer parecer alguns. Há pobres aqui – assim como lá – e já está provado que, se o programa for funcional, ele pode realmente fazer a diferença na vida das pessoas. Ajustes são bem-vindos, claro. Debates são bem-vindos. Mas, em ano de eleição, seria prudente que os mais revoltados com o programa respirassem fundo e se lembrassem de que até mesmo quem mora do lado de Wall Street está tentando fazer transferência emergencial de renda. Não parece uma boa medida deixar que a paixão política ou o ódio pelo atual governo que alguns têm contaminem um debate interessante como esse.

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