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É em tempos agitados que cada um escreve sua biografia. Isso serve para pessoas, mas também para instituições. E para ideias. A discussão sobre o impeachment de Dilma Rousseff é um desses eventos. Assim como aconteceu em 1964, em 1985 e em menor escala no impeachment de Collor, cada grupo será lembrado por algum tempo pelo que fez neste período. Como agiu a universidade, o que fez a Igreja, de que lado estavam os sindicatos?

Para a esquerda brasileira há um duplo risco. De um lado, pode perder o governo que conquistou e manteve por 13 anos, depois de décadas de espera. Mas o maior risco pode ser outro. A centro-esquerda (eliminem-se aqui da equação desde logo os radicais) nunca foi só o PT, nem deve se resumir a ele. Para o partido, o impeachment é grave. Para a esquerda, mais grave será ficar com a pecha de uma ideologia que tolera defender a corrupção desde que ela beneficie “o lado certo”.

Durante muito tempo depois de 1964 dizer-se de direita no Brasil não pegava bem. O motivo era evidente. Com truculência, a direita tomou o poder (à força), torturou, prendeu arbitrariamente, cassou direitos, matou, censurou, ocultou crimes dos seus, gerou esquadrões da morte, trucidou gente no Araguaia. Declarar-se de direita parecia ser compactuar com tudo isso.

Com a chegada do PT ao poder, a direita (pelo menos a parte não fisiológica da direita) viu-se finalmente na oposição. Com duas décadas separando-a da ditadura, sentiu-se à vontade para renascer, dessa vez com um discurso liberal (na economia) e conservador (nos costumes). A não ser por doidos como Bolsonaro, recusa-se a defender a ditadura como ela foi.

Com o tempo e os seguidos erros do petismo, deu-se ainda ao luxo de posar de único reduto possível da moralidade. E o PT, antes oposição e detentor do mesmo discurso, passou a se ver acuado por denúncias de corrupção e desvios graves. Eis como o mundo dá voltas.

O ponto é que diante da Lava Jato, muitos defensores do petismo puseram-se diante de duas alternativas: defender o governo, minimizando seus erros (e relembrando os de seus opositores); ou admitir os erros todos e com isso, lhes parecia, abrir mão de todo um projeto político construído ao longo de décadas – o que soa inaceitável. Faltou a percepção (não a todos, claro) de que é possível criticar o governo, cobrá-lo pelos seus erros sem abrir mão de convicções.

Pelo contrário. Pior para a esquerda será a possibilidade de ficar associada à defesa ou à maquiagem da corrupção. É para isso que parecem caminhar certos discursos, às vezes generalizantes, que tentam convencer de que o jogo sempre foi assim e de que se não tivesse aderido a certos comportamentos o PT jamais teria governado – aliás, jamais teria sequer vencido a eleição.

É verdade que o jogo em Brasília é brutal e que dificilmente a santidade seria um artifício muito útil na conquista e na manutenção do poder. Isso não significa que se deva avalizar um vale-tudo em nome de certas conquistas sociais, ainda que relevantes.

Do mesmo modo, a direita precisa evitar, nos próximos tempos, uma sina igualmente indesejável: a de aceitar certos comportamentos fascistas e intolerantes que se veem nas ruas contra qualquer um que vote no Partido dos Trabalhadores. Também deste lado é importante lembrar que o silêncio sobre o crime é sinônimo de cumplicidade.

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