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O Brasil costuma aparecer em todas as listas de países mais desiguais do mundo. No ano passado, por exemplo, o Pnud nos colocou entre os dez piores do planeta neste quesito. Isso não quer dizer que somos os mais pobres. Quer dizer que muita gente fica com pouco, enquanto uns poucos ficam com quase tudo. O governo deveria ter como missão mudar isso, claro. Mas acontece que, do jeito que nossos impostos são, acabam fazendo exatamente ao contrário. Ajudam a perpetuar a famosa lógica segundo a qual "o de cima sobe e o de baixo desce".

O Instituto Brasileiro de Pesquisas Tributárias já mostrou com números que os pobres, proporcionalmente, são os que mais pagam impostos no país. E não têm como fugir desses tributos, que estão escondidos no arroz e no feijão de cada dia. Enquanto isso, os mais ricos, que gastam uma fatia menor do que têm com consumo, acabam pagando menos impostos. O dinheiro parado no banco, o patrimônio que acumularam e o lucro da empresa dividido entre os sócios acabam pesando menos no bolso.

A deputada Luciana Genro (PSol-RS) resume em uma frase: "O Brasil cobra muito imposto sobre salário e sobre consumo, mas cobra muito pouco sobre renda e patrimônio". Nesse sistema, sai ganhando o mais forte. E o governo trabalha como um Robin Hood ao contrário: mantém o país funcionando com dinheiro de quem menos teria como contribuir.

Luciana Genro é autora de uma proposta que pode ajudar a desarmar essa arapuca. O projeto, aprovado nesta semana na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados, prevê um imposto sobre grandes fortunas. Quem tem patrimônio de R$ 2 milhões ou mais pagaria uma quantia anual sobre isso. O valor seria cobrado apenas sobre o que ultrapassasse esse limite mínimo. Traduzindo: alguém com patrimônio de R$ 3 milhões pagaria sobre R$ 1 milhão.

Como a alíquota prevista é de 1% para esse valor (podendo chegar a 5% para quem tem patrimônio acima de R$ 50 milhões), o sujeito do exemplo pagaria R$ 10 mil ao ano. Não é um valor absurdo para quem tem R$ 3 milhões. E ajudaria a fazer justiça tributária nesse Brasil – quem sabe deixaríamos nosso 10.º lugar e ultrapassaríamos Serra Leoa, por exemplo.

É claro que talvez fosse válido discutir ajustes no projeto. Emendas poderiam elevar o teto mínimo (R$ 2 milhões não seria uma grande fortuna, talvez). Ligar a cobrança à liquidez do patrimônio talvez fosse importante. Discutir a ideia, no entanto, é fundamental.

Ainda nesta semana um estudo da Boston Consulting Group mostrou que são 127 mil as famílias brasileiras que têm patrimônio superior a US$ 1 milhão (perto dos R$ 2 milhões estabelecidos pelo projeto). Esse pessoal tem dinheiro equivalente a 44% do PIB – valor que só vem subindo, ano após ano. Só com as famílias mais ricas, Luciana Genro calcula que seria possível arrecadar R$ 30 bilhões por ano.

Esses R$ 30 bilhões, por outro lado, poderiam ser abatidos da conta paga pelos que têm menos. Os assalariados poderiam pagar menos Imposto de Renda, por exemplo. E a própria deputada já apresentou um projeto para fazer essa compensação.

É claro que o projeto de imposto sobre fortunas desagrada a muita gente: exatamente aqueles que teriam de passar a pagar mais. E os afetados pela proposta são justamente aqueles que têm maior poder do lobby no Con­­­gresso, o que diminui significativamente as chances de uma proposta como essa virar lei.

Prova de que o Congresso tem pouco interesse sobre o tema é que desde 1988 a previsão do imposto está na nossa Cons­­tituição. Falta apenas regulamentar a ideia. Em 22 anos, ninguém fez isso. Porque, obviamente, o jeitinho atual de tributar, cobrando mais de quem tem menos, agrada a muita gente em Brasília. Nós aqui, na outra ponta, é que vamos pagando por isso. Quem sabe um dia isso muda. A aprovação do projeto na CCJ já é alguma coisa.

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