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Nos anos 70, a prefeitura de Curitiba decidiu que a cidade não podia mais conviver com a pobreza da então chamada Vila Pinto. Resolveu melhorar a situação dos moradores? Nada. Simplesmente plantou uma cerca viva ao longo da Avenida das Torres para que não fosse mais possível ver da rua a favela. Até hoje, reparando bem, é possível ver resquícios dos arbustos às margens da Vila Torres – que, aliás, continua lá 40 anos depois, só com nome novo.

Hoje, o método para encobrir a pobreza é muito mais sutil. Os governantes aprenderam com o tempo que não é preciso colocar cercas vivas ou tapumes em volta de áreas mais pobres. Basta convencer as pessoas de que eles não estão mais lá. E nada melhor para isso do que números. Mark Twain, atribuindo a frase ao premiê britânico Disraeli, já dizia que existem três tipos de mentira: "mentiras, mentiras absurdas e estatísticas".

O governo federal tem sido campeão em mostrar a realidade filtrada pelos números. A presidente Dilma Rousseff já disse, por exemplo, que o Brasil "tirou uma Argentina da miséria". Realmente, o tamanho da população que ultrapassou a tal linha da miséria é impressionante. E o governo tem lá seus méritos nisso, principalmente em função dos programas sociais, como o Bolsa Família.

Mas espera lá. Pelos critérios oficiais, basta a uma família de cinco pessoas uma renda de R$ 350 para que ela não seja considerada miserável. Obviamente isso não dá uma vida digna a ninguém. Fazendo refeições a R$ 1 por pessoa, apenas duas vezes ao dia, e não três como apregoava Lula, sobram R$ 50 para morar, comprar remédios, pagar transporte e o resto.

Se tirou uma Argentina da miséria, o governo ainda está longe de transformar essas pessoas em cidadãos de pleno direito. Mas o estranho é que o discurso cola, apesar de todas as provas de que não estamos no país das maravilhas. Bastaria olhar para o lado em qualquer capital para estranhar o discurso de erradicação da miséria. Ou visitar qualquer cidade do sertão nordestino. A estatística nos ensinou a desconfiarmos de nosso próprio olhar.

Agora é o Índice de Desenvolvimento Humano dos Municípios que nos diz que o abismo entre Curitiba e Doutor Ulysses diminuiu. Não bastava que Curitiba tivesse entrado no nível de desenvolvimento "muito alto" – a Vila Torres agora fica em Oslo. As cidades ao redor estão no mesmo caminho de prosperidade. Só não vê quem insiste em fechar os olhos às estatísticas.

Nos anos 80, uma comissão da ONU escolheu Curitiba como uma das melhores cidades do mundo para se viver. Foi preciso que Dalton Trevisan nos acordasse do sonho. "Uma das três cidades do mundo de melhor qualidade de vida. Depois ou antes de Roma?", perguntou.

Não aprendemos. Continuamos acreditando nos prêmios absurdos e suspeitos que nos são oferecidos. Somos a cidade mais sustentável do mundo (depois ou antes de Estocolmo?), apesar dos imensos esgotos ao céu aberto. Nosso transporte é premiado, apesar de nos acotovelarmos no Pinheirinho-Rui Barbosa às seis da tarde. E agora estamos decerto à beira de acabar com a desigualdade.

Desde que o poder público diga que não há mais miseráveis, nós acreditaremos. E sonharemos tranquilos, dizendo para nós mesmos que o gigante acordou.

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