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Quatro séculos se passaram, mas Shakespeare continua sendo quem melhor escreveu sobre o poder e os poderosos. Suas peças falam sobre a ambição humana de uma maneira insuperável. Veja Otelo: o vilão, Iago, faz de tudo para arruinar o rei. Mente, conspira, faz jogo duplo. Veja Hamlet: para conseguir o trono e a rainha, o irmão do rei, Cláudio, mata-o impiedosamente.

Mas a tragédia definitiva sobre poder é Macbeth. Numa noite, Macbeth ouve três bruxas, três personagens soturnos, fazerem uma profecia. "Serás rei", dizem elas. É o suficiente. A ideia do poder próximo seduz tanto o homem – e especialmente sua mulher, a futura rainha – que eles deixam de lado todos os escrúpulos e assassinam o bom rei. Lady Macbeth enlouquece mais tarde vendo manchas de sangue imaginárias em suas mãos que ela jamais consegue tirar.

Os poderosos e seus asseclas de hoje sempre se parecem em alguma medida com as personagens de Shakespeare. Eis um dos motivos porque as tragédias continuam atuais. Na era elisabetana, porém, não havia democracia. E o trono era conquistado ou por hereditariedade ou à base da força bruta. E a opinião popular não tinha a mesma importância de hoje.

No Brasil do século 21, os personagens novos que entram em cena são justamente os que mexem com a opinião do povo – ou que tentam desesperadamente fazê-lo – para que seus favoritos cheguem ao trono. E mesmo eles não fogem ao esquema das tragédias de Shakespeare. Alguns fazem o papel das bruxas, instigando a discórdia e aumentando a tentação do poder. E outros são como Iago: mentem, dissimulam e destilam veneno – não para acabar com Desdêmona, mas sempre para acabar com alguém.

Os Iagos estão espalhados por toda a imprensa, mas o lugar onde mais proliferam é a internet. Há blogs que, quando abertos, fazem o computador cheirar a enxofre. São pura tragédia. Distorcem os fatos, fazem chegar ao incauto uma versão que faz sempre aumentar o ódio por alguém. Em alguns casos, tentam fazer crescer a raiva pelo governo. Em outros, o alvo é o antigo governo, que quer voltar ao poder. Em todo caso, a fúria é a mesma. E as mentiras ganham verniz de um conselho sábio – mais ou menos como os que Iago dava ao crédulo Otelo.

O que esses trágicos personagens parecem não perceber é que sua luta desenfreada para colocar alguém no poder está cheia de efeitos colaterais. Sua tentativa de pintar o outro lado da maneira mais lúgubre possível acaba fazendo o país se dividir em dois. Aumenta o ódio à política e cria separações impossíveis de se superar a curto prazo. Isso quando não causam efeitos no bolso de cada um de nós, como ocorreu em 2002. Às vésperas da eleição, criaram tal medo da oposição que derrubaram a moeda nacional, aumentaram o risco-país e puseram o Brasil em uma situação desnecessariamente complicada.

Neste ano de eleição, o veneno ficará ainda mais cruel. Começou com um plano de Direitos Humanos que, diga-se a verdade, era ruim em muitos pontos. Mas na versão tresloucada dos Iagos se transformou, de maneira inexplicável, num "novo AI-5", numa tentativa de golpe de Estado. A falsidade é transparente. E são raras as pessoas de juízo que, como a repórter Rosana Félix, nesta Gazeta, mostram que nada – ou pouco – há de novo no tal plano.A tentação de fazer de cada passo uma nova tragédia é grande demais. Lucrar politicamente com cada fato, seja ele verdadeiro ou falso, torna-se uma obsessão para os Iagos de plantão. E pouco se lhes dá se estiverem dividindo o país como o ódio separou os Montecchio e os Capuletto. Terão chegado ao trono. As manchas? Quem se importa com elas.

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