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O ex-procurador-geral do Estado Sérgio Botto de Lacerda assinou ontem a sua carta-testamento. Diferentemente de Getúlio Vargas, que na dele afirmou que sairia da vida para entrar na história, Botto selou outra marca: saiu da vida pública para entrar figurativamente na privada, levando com ele (e aí literalmente) o governador e o resto do governo do qual fez parte – "um governo em que o próprio governador diz só haver ladrões", escreveu Botto.

Dirigida a Requião, a carta revela mágoas profundas. Diz logo no início: "Desde ontem [terça-feira] assisti, mais uma vez, a tentativa de meu fuzilamento alegórico. São sempre os mesmos que estão a fazer isso há algum tempo, procurando avidamente (loucamente seria melhor) encontrar algo capaz de denegrir a minha imagem. O seu silêncio, lamentavelmente posto mais uma vez para comigo, que já assistia de camarote essa investida, é sintomático".

Mas isto nem é o mais importante. Mais importantes são as palavras não de um empedernido militante da oposição, mas de um até há pouco amigo, admirador, colaborador e "homem forte" da equipe de Requião. Recheada de frases escritas com o objetivo de fazer defesa pessoal, a carta contém outras que espelham a visão que Botto pôde construir ao longo de sua vivência na intimidade palaciana e com os métodos de relacionamento interpessoal e político praticados nas entranhas.

Com seu conhecimento de causa, confirma o que já é sentimento generalizado na planície: o governo Requião está hoje cercado de "puxa-sacos, ignorantes" que "o afundam cada vez mais".

Condena as agressões públicas que Requião faz contra pessoas "por suposta incompetência, por suposta desonestidade"; fala também dos "bajuladores, incompetentes e omissos" que atuam dentro do governo; e lamenta o silêncio "obsequioso e amedrontado" do governador.

E conclui: "Governador: assuma, como responsável pelo que ocorre em seus domínios, a responsabilidade que cabe a cada um".

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A Carta-Testamento 2

A crise que fez desabar o mundo de Sérgio Botto e a produzir terremotos intestinos no governo começou no domingo passado, quando esta coluna revelou que chegara às mãos de Requião um pen drive contendo arquivos que incriminavam um membro do governo, supostamente envolvido em negócios ilícitos com empresas privadas.

Embora seu nome não tivesse sido citado, Botto vestiu a carapuça e, em e-mail publicado na segunda-feira, fez a revelação fatídica: de fato, os arquivos do pen drive referiam-se a uma proposta da Vivendi para que ele atuasse como advogado na operação de venda à Copel da sua participação acionária na Sanepar. Honorários oferecidos: R$ 500 mil em duas parcelas. A resposta de Botto à Vivendi foi de recusa, apenas por achar a oferta monetária insuficiente!

A recusa não foi suficiente para salvar sua pele, pois a simples negociação, mesmo que não concluída, já configuraria flagrante desobediência ao regramento legal e ético que envolve a advocacia privada exercida por um agente público. E mais: deu margem à suspeita de que em casos anteriores, com oferta satisfatória, Botto tivesse prestado serviços.

Era tudo de que precisavam os inúmeros inimigos que cultivou nos cinco anos em que exerceu cargos no governo – dentre eles o ouvidor-geral Luiz Carlos Delazari, o secretário de Segurança, Luiz Fernando Delazari, além de outros que preferiam esconder-se no anonimato e agir na surdina.

Um desses inimigos ocultos estava incrustado na Copel. Foi ele quem, ao ver o teor explosivo dos arquivos constantes do pen drive, tratou de convocar uma pequena comitiva para levar o assunto a Requião. Açulado pelo grupo inconfidente, o governador exclamou: "Fui traído!".

E essa foi a senha para que o trabalho de desmoralização continuasse. Até que, ontem, Sérgio Botto jogou a toalha, renunciando aos seus postos de conselheiro da Paranaprevidência, da Copel e da Elejor – e também do cargo de chalaça do império requiônico.

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Olho vivo

CPI 1 – A Assembléia se agitou ontem com a divulgação da carta de Botto de Lacerda. Deu argumentos poderosos para que o líder da oposição, deputado Valdir Rossoni, aumentasse a marcha da sua cruzada pela instalação da CPI da Corrupção. Para ele, se até o ex-procurador do Estado reconhece que Requião tem razão ao dizer que seu "governo está cheio de ladrões", nada mais justo que a Assembléia investigue.

CPI 2 – Já se conta em uma dezena os signatários do requerimento para instauração da CPI, mas o número pode aumentar. Um dos "independentes", o deputado Ney Leprevost, já se manifestou ontem a favor – sinal de que outros poderão segui-lo, incluindo parlamentares da situação inconformada.

CPI 3 – Os líderes do governo e do PMDB, Luiz Cláudio Romanelli e Waldyr Pugliesi, respectivamente, estavam visivelmente encabulados. Seus discursos limitaram-se a defender a higidez moral e a competência administrativa do governo.

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"Este assunto encontra-se em análise pela Copel para que, sendo o caso, seja levado ao conhecimento do Ministério Público para as providências cabíveis."

De nota distribuída ontem pela Copel a respeito da atuação de um de seus conselheiros.

celso@gazetadopovo.com.br

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