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Democracia é assim mesmo: pode-se brigar muito durante a campanha, mas, abertas as urnas, legitima-se a vontade popular. E a vontade de um pouquinho mais do que a metade do eleitorado foi a de reconduzir Dilma Rousseff à Presidência da República. Que não se esqueça, porém, que a outra metade, pouquinho menor, manifestou vontade contrária ao resultado das urnas – e deve ser respeitada.

É isto que se espera da presidente em seu próximo mandato: que leve em consideração que enorme parcela da opinião nacional demonstrou não concordar inteiramente com a condução que imprimiu em seu primeiro mandato, mas – frise-se – principalmente em razão do evidente desgaste ético do seu partido e do grupo político que lhe deu sustentação nos últimos quatro anos.

A corrupção, mal inequívoco que contaminou a administração pública de modo exacerbado, quase lhe custou a reeleição. Mas é dela a afirmação, repetida durante a campanha e ontem à noite em seu primeiro pronunciamento à Nação, de que dará prioridade ao seu combate, "doa a quem doer", como dizia nos palanques.

Aguarda-se, portanto, que a promessa seja cumprida. Mas temos aí o primeiro grande desafio: Dilma terá, neste caso, de cortar na carne, pois, embora o mal da corrupção esteja fortemente disseminado entre todos os partidos, sejam de situação ou de oposição, é principalmente nos escaninhos dominados pelo aparelhamento petista que se encontram suas fontes mais lucrativas. Logo, considerando-se a sinceridade com que Dilma se referiu à questão, é justo esperar que a nova "faxina" venha a atingir também próprio partido.

Se a voz das urnas gritou forte pela mudança – representada por mais de 48% dos eleitores – ela foi também ouvida por Dilma. Elogie-se, neste sentido, o discurso que pronunciou ontem à noite após a confirmação oficial da vitória. Nele, a presidente se comprometeu ao diálogo com todas as forças da vida nacional, tanto as políticas com assento no Congresso, quanto as representadas pelos setores produtivos, financeiros e de trabalhadores. Comprometeu-se, no fundo, a acabar com o monólogo, o que significa que está disposta não apenas a dirigir a palavra, mas também a ouvir o que diz a outra parte, buscando nas ideias díspares oportunidades para construir consensos em torno do que deve ser o melhor para o país.

Trata-se de uma postura de estadista a que se propôs Dilma Roussef. Exige-lhe coragem e muita determinação; exige-lhe renunciar a algumas posições monolíticas e pré-concebidas e aceitar também a contribuição dos contrários. Só assim poderá levar para frente, com a legitimidade própria que a democracia assegura e a maioria dos votos que conquistou, outros avanços com os quais se comprometeu.

Um deles diz respeito à reforma política – a mãe de todas as reformas –, mas insistiu, já no primeiro pronunciamento, na duvidosa fórmula plebiscitária que vem pregando desde suas primeiras reações aos protestos que tomaram conta das ruas em junho do ano passado. Este já será um bom tema para colocar em prova a disposição de Dilma para o diálogo.

Assim como será também testada quando for para tratar de outras tantas reformas de que o país precisa, como a tributária, a previdenciária ou a trabalhista. A nova conformação do Congresso, com bancadas menores de partidos aliados (só o PT elegeu 18 deputados a menos na Câmara), com certeza a obrigará a fazer do diálogo a sua melhor arma.

O contrário do diálogo republicano que se espera de Dilma é reviver o velho esquema da compra de apoios – do qual resultaram todos os mensalões que a história recente registra, independentemente dos partidos que os patrocinaram. Não é este o comportamento que o Brasil da mudança aguarda a partir de agora. A mudança, que antes era um sentimento difícil de mensurar, agora é representada por um número claro: 48% dos eleitores e mais os tantos que, embora tenham votado em Dilma, certamente também anseiam por um horizonte novo para o país.

O Brasil que emergiu das urnas de ontem, porém, não é tão simples quanto nos disseram as urnas – isto é, metade de um lado, metade do outro. Sem acolhimento ao chamamento de união, presente nas palavras de Dilma, não chegaremos muito longe. É preciso grandeza de ambos os lados para construir tempos melhores para o país.

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