Como diria Lampedusa: é preciso mudar tudo para deixar tudo como está. O governo estadual fez isto com incrível competência. Vejam a sequência dos fatos:
• Alegando que não tinha caixa nem sequer para honrar a folha do funcionalismo do mês de fevereiro e que, portanto, providências urgentíssimas deveriam ser tomadas, o governador Beto Richa atrasou pagamento de férias, pretendeu extinguir quinquênios e promoções, demitiu professores, pedagogos, merendeiras, funcionários administrativos. Além disso, queria amealhar já R$ 8 bilhões da Paranaprevidência para suprir as necessidades. Tudo isto estava previsto no pacote que o governo queria que, mediante um novo “tratoraço”, a Assembleia aprovasse em 24 horas.
• O professorado decretou greve. Milhares de outras categorias de servidores apoiaram e ajudaram a tomar o Centro Cívico. Multiplicaram-se manifestações barulhentas, o plenário da Assembleia foi invadido, deputados tiveram de fugir e os que, dispostos a obedecer a ordem de votar a favor do “pacotaço”, tiveram, no dia seguinte, de embarcar e se proteger num camburão da PM na tentativa (também fracassada) de fazer nova sessão no refeitório da Casa.
• O governo sentiu a força das ruas e abriu os gabinetes do Palácio para negociar com os grevistas e demais servidores. Ontem aconteceu a última das três reuniões entre as partes e o resultado – anunciado pelo líder de Beto Richa na Assembleia – foi o de que o governador havia concordado em recuar em todos os pontos condenados pelos educadores. A promessa é de que não se mexerá mais em nenhum ponto considerado prejudicial à categoria, que continua em greve.
• Outros projetinhos, de pouco efeito prático para o saneamento das finanças públicas, voltaram à Assembleia para votação. Mas agora seguirão o ritmo normal e democrático de exame pelas comissões temáticas internas. Isto é, não haverá novo “tratoraço”. Até mesmo a mais explosiva de todas as propostas, aquela que permitiria ao governo destruir o patrimônio acumulado pelos funcionários na Paranaprevidência, só será ressuscitada após mudanças a serem previamente acordadas com a sociedade.
• Balanço dessa história toda: ao fazer tamanho recuo, o governo demonstrou ter sido totalmente incompetente na condução do processo de saneamento fiscal do estado – tanto na forma quanto no conteúdo. E mais: se, como também foi anunciado oficialmente, todas as obrigações com o funcionalismo estão ou serão religiosamente cumpridas, independente do “pacotaço”, por que, então, o governo foi tão sôfrego na tentativa de enfiá-lo goela abaixo de todos?
• Sabe-se que para pagar o salário deste mês, já amanhã, o governo fez traquitanas orçamentárias e lançou mão de R$ 500 milhões depositados em fundos específicos. Precisará fazer isto de novo mês que vem?
É tudo tão estranho. Tentaram mudar tudo para deixar tudo como sempre esteve? A única mudança visível é que o governo, enfim, reconheceu a força das ruas.



