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Como se estivesse participando do Baile da Ilha Fiscal, o governador Beto Richa dançou ontem sua última valsa. Dividiram com ele o salão festivo os secretários da Segurança Pública, Fernando Francischini, e da Fazenda, Mauro Ricardo da Costa, além do maestro que dirigiu os últimos acordes de uma orquestra mambembe, o presidente da Assembleia Legislativa, deputado Ademar Traiano. Fora do salão, o foguetório não era comemorativo: eram bombas e balas disparadas pelos organizadores da festa contra os que não foram convidados.

O Baile da Ilha Fiscal – contam os livros de história – foi a grande festa promovida pelo imperador dom Pedro II em novembro de 1889, dias antes de ser enxotado para Portugal, junto com a família real, para amargar o exílio e para nunca mais voltar à terra que governou por meio século. Decretava-se o fim da Monarquia, iniciava-se a República proclamada pelos marechais.

A partitura da música que embalou os festeiros desta quarta (29) foi o projeto gestado na secretaria da Fazenda, nos gabinetes do Palácio Iguaçu e, finalmente, aprovado pela Assembleia. Transformada em lei, a medida põe na conta da Paranaprevidência R$ 140 milhões por mês para pagamento de aposentados e pensionistas que nunca contribuíram para o fundo previdenciário. A perspectiva que se cria é a de que os recursos da instituição tendem a se exaurir em menor prazo e, portanto, não suportem a massa crescente de novos aposentados, em prejuízo dos que contribuíram a vida inteira para a formação do fundo.

Em compensação, o caixa do governo deixa de despender estes R$ 140 milhões mensais – aliás, retroativos a janeiro passado, o que já significa que quase R$ 600 milhões podem ser pilhados imediatamente do cofrinho recheado exclusivamente com a poupança dos servidores . É isso que fez transformar em alegria o falso sentimento de tristeza que os governantes demonstravam diante do buraco em que jogaram as contas públicas estaduais nos últimos anos.

É absolutamente compreensível, portanto, que os servidores tenham se mobilizado para impedir a votação a toque de caixa. Queriam mais debate em torno do projeto. E por isso se concentraram no Centro Cívico entre cinco mil e dez mil pessoas – com a possibilidade de, outra vez, cometerem a insanidade de invadir o plenário, como aconteceu em 12 de fevereiro.

Claro que a Assembleia deveria se proteger. Natural que apelasse à Justiça para que fosse autorizada a força policial não só para conter possível tentativa de depredação das instalações, como, também, para assegurar a integridade física dos deputados e o livre exercício da função parlamentar. Isto é, não se discute o direito constitucional de o Legislativo fazer uso dos meios cabíveis e razoáveis para garantir a própria segurança.

O problema está no uso desproporcional da força. O direito de manifestação popular faz parte da democracia; o direito à vida e à integridade física dos manifestantes é tão inalienável quanto ao de qualquer um. O direito de usar pacificamente os espaços públicos (não estamos falando de dependências do poder público, como, por exemplo, o plenário da Assembleia) deve ser igualmente não só permitido como protegido.

No entanto, o que se viu nesta quarta, enquanto rolavam as contradanças no interior da Assembleia, foi uma premeditada e bem planejada operação de batalha campal, da qual resultaram pelo menos 200 feridos por disparos de balas de borracha, canhões de água, cassetetes, sem contar os milhares que sofreram os efeitos das bombas de gás lacrimogêneo e borrifadas de spray de pimenta.

Havia black blocs infiltrados? É possível. Quantos? Foram identificados e presos? O deputado Rasca Rodrigues (PV), mordido por um cão de ataque na rampa da Assembleia, seria um black bloc enrustido? As crianças de uma creche situada atrás do prédio da prefeitura, retiradas às pressas sob o efeito do gás por mães desesperadas, também ofereciam perigo? Seriam perigosos militantes de grupos terroristas os 200 feridos (alguns em estado grave) abrigados no subsolo da prefeitura improvisado em ambulatório e dali encaminhados para hospitais e postos de saúde do município?

A quem se deve tais excessos? Talvez se deva buscar na vida pregressa do secretário da Segurança, comandante-em-chefe das operações, sinais reveladores do que aconteceu no Centro Cívico. Sem dúvida, deve ter recebido aplausos do governador Beto Richa, para quem a violência policial foi praticada apenas contra vândalos e baderneiros – certamente, em grande parte, travestidos em professoras e idosos aposentados.

O baile de 1889 acabou mal para o imperador. Acabou bem para o governador?

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