Na China, quando alguém é condenado à morte por ter, por exemplo, contestado o regime a família do morto é obrigada a indenizar o Estado pelo gasto com a bala que lhe foi disparada na nuca. Esta é uma das facetas mais conhecidas sobre como funciona o sistema judiciário chinês desde Mao Tsé Tung sem contar, claro, o fato de o país não ser exatamente reconhecido como paradigma quando se trata de respeitar os direitos humanos e as liberdades.
Por isso, à primeira vista soa estranha a iniciativa do Tribunal de Justiça do Paraná de organizar uma comitiva de 16 desembargadores para conhecer, em março próximo, o sistema judiciário chinês e incrementar o intercâmbio entre as instituições. O presidente do TJ, desembargador Miguel Kfouri Neto, procura desfazer a estranheza. Em explicação encaminhada à coluna por meio de sua assessoria de imprensa, diz que a viagem se justifica pelo crescimento que se dá atualmente nas relações comerciais e empresariais entre Brasil e China. Com isso, no entendimento de Kfouri Neto, passa a se tornar cada vez mais essencial o recíproco aprendizado dos respectivos sistemas judiciários, nos quais podem desembocar eventuais demandas entre as partes. Um protocolo de intenções entre o Judiciário paranaense e o Tribunal Popular da Província de Jiangsu foi firmado em outubro do ano passado.
De qualquer modo a polêmica está instalada dentro do próprio tribunal. Tudo começou quando o desembargador José Maurício Pinto de Almeida, ao tomar conhecimento do projeto da viagem, endereçou carta ao presidente Kfouri Neto manifestando sua preocupação e pedindo-lhe esclarecimentos. A carta, distribuída a todos os 120 desembargadores, questionava o fato de a viagem provocar a ausência simultânea, por 15 dias, de 15% do quadro de magistrados. Mais: perguntava também sobre se o TJ arcaria com as despesas e com o pagamento de diárias. E, por fim, indagava sobre o interesse público da iniciativa e manifestava o temor de que a excursão pudesse contribuir para o agravamento das críticas de que o Poder Judiciário brasileiro vem sendo alvo nos últimos tempos.
Kfouri respondeu a Pinto de Almeida também mediante carta aberta a todos os desembargadores. Informou que a viagem deve ser vista como uma retribuição à visita que juízes chineses fizeram ao TJ no ano passado e que as despesas correrão às custas pessoais de cada participante da comitiva. Informa que a maioria dos integrantes já inscritos estará em gozo de férias durante o período. E diz mais: "Quanto às críticas ou ao momento delicado vivenciado pelo Judiciário brasileiro todos cuidamos de manter conduta escorreita, não damos motivos a comentários desairosos e não devemos pautar nossas ações pelo receio de vitupérios sem qualquer fundamento".
A coluna aguardou até 20h30 de ontem esclarecimentos suplementares que o presidente do tribunal, segundo sua assessoria de imprensa, pretendia endereçar.
Procurado pela coluna, o desembargador José Maurício Pinto de Almeida preferiu não comentar a polêmica. "Por se tratar de assunto interno desta corte, nada tenho a acrescentar às respostas do desembargador Miguel Kfouri Neto e também às palavras que a ele dirigi."



