Há uma enorme dose de demagogia na discussão sobre a Lei Geral da Copa. Enquanto os parlamentares montam um cavalo de batalha contra a liberação da venda de bebida alcoólica nos estádios durante a competição, em uma espécie de cruzada moralista, esquecem-se da essência do projeto. Aliás, parece que nem se deram conta do que realmente quer dizer o texto.
Sete dos dez capítulos da proposta atual são destinados à proteção comercial da Fifa. Existe uma porção de regras esdrúxulas, que cheiram à inconstitucionalidade. A questão, deixada em segundo plano, será sentida na pele pelos brasileiros.
Entre outras coisas, a lei prevê que empresas não autorizadas que fizerem atividades de publicidade (como provas de comida ou bebida e distribuição de brindes) nos locais de competição, e até em suas principais vias de acesso, serão obrigados a pagar indenização. Imagine um bar ou restaurante a poucos metros da Arena da Baixada que há 20 anos é patrocinado pelo refrigerante X, cujo símbolo está estampado por toda fachada do local. Se a marca Y for patrocinadora da Copa, o dono do estabelecimento vai estar encrencado.
Não para por aí. Além de sanções civis, o texto cria três tipos penais: utilização indevida de símbolos oficiais, marketing de emboscada por associação e marketing de emboscada por intrusão. As práticas serão punidas com pena de detenção de três meses a um ano, ou multa, e serão válidas a partir da promulgação da lei até 31 de dezembro de 2014.
Paira um certo ar de oba-oba sobre essas regras. Algo na linha de que no Brasil tem lei que pega e lei que não pega. Só que o Mundial da África do Sul é uma prova de que, depois que a lei passa a vigorar, fica difícil não cumprir.
Vale lembrar um jogo entre Holanda e Dinamarca, em 2010, no qual 36 mulheres com vestidinhos laranjas que estampavam uma pequena marca de uma cervejaria "não autorizada" foram expulsas do estádio. A acusação: marketing de emboscada. Duas acabaram detidas e só foram liberadas após pagar uma fiança de aproximadamente 10 mil euros cada.
Claro que os sul-africanos não toleraram as regras passivamente. Muitos partiram para a piada. Durante a Copa de 2010, o jornal britânico The Guardian fez uma matéria engraçadíssima sobre os recursos utilizados pela companhia aérea Kulula.com para caçoar da Fifa.
A Kulula descrevia-se como "a companhia não oficial do 'você sabe o que'". Para falar sobre 2010, dizia "não o ano que vem, não o ano passado, mas algo no meio deles". A empresa também ofertava "voos inesquecíveis" para qualquer um "menos para Blatter" (o presidente da Fifa) durante "aquela coisa que está acontecendo agora".
Esse tipo de piada vai casar perfeitamente com o jeitinho brasileiro. Mas esse deveria ser um debate não para 2014, mas para hoje, enquanto dá tempo. O problema é que a maioria do Congresso prefere embriagar-se com a discussão da cerveja.
Não que o uso de drogas lícitas, principalmente o álcool, não seja algo sobre o que os parlamentares devam realmente se debruçar. Mas não só, por exemplo, por causa de quatro jogos entre seleções estrangeiras em Curitiba eventos que vão durar 360 minutos. A propósito, quer dar uma lição de civilidade na hipocrisia parlamentar e na própria Fifa?
Vá ao estádio e, mesmo que esteja disponível, não tome nenhuma cerveja. O direito ao livre arbítrio e a proteger a própria saúde ninguém pode lhe negar. Já as outras imposições da Lei Geral da Copa...



