Uma ótima definição de Brasília é repetida frequentemente nos corredores do Congresso Nacional: a capital brasileira não é uma cidade, não é um estado, é uma ilha de políticos cercada de lobistas por todos os lados. Nos últimos dez dias, durante a votação da MP dos Portos, um tsunami atingiu esse lugar tão peculiar. Tudo se transformou em um mar de lobbies ou, como diria o deputado Anthony Garotinho (PR-RJ), em uma terra do Tio Patinhas.
O pano de fundo da sessão mais longa dos últimos 22 anos da Câmara restringiu-se à discussão sobre os critérios de renovação de concessões para operação em portos públicos. Pela proposta do governo, a renovação poderia ocorrer dentro de condicionantes como a revisão das obrigações das empresas concessionárias e apenas se a prorrogação estivesse prevista nos contratos originais. Ao todo, 23 emendas similares foram apresentadas por oito diferentes deputados para retirar essas condições e facilitar as renovações.
A mudança ocorreu na 21.ª tentativa, graças a uma manobra do petista Sibá Machado (AC). O texto aprovado retirou as ressalvas, mas estabelece que a renovação "poderá ocorrer", ou seja, tornou-se facultativa. A tendência é que o trecho seja alvo de veto da presidente Dilma Rousseff.
Na sexta-feira, a Folha de S.Paulo publicou uma matéria em que o deputado Leonardo Quintão (PMDB-MG), um dos oito que apresentaram emenda sobre o tema, disse que o texto nasceu de uma sugestão de empresas do setor portuário. Alto lá antes de sair apedrejando Quintão. Além dos interesses dos atuais concessionários de portos públicos, há os dos investidores sedentos para entrar nesse mercado.
Puxando o fio da meada, o que vem à mente é a conexão entre todos esses "interessados" e o financiamento das campanhas das excelências. Aí está toda a encrenca. Durante maratona de votações da semana passada, houve ingredientes políticos (a oposição fez de tudo para impor mais uma derrota legislativa a Dilma), ideológicos (argumentos contra e a favor à privatização dos portos). Porém, o prato principal foi carregado de individualismo e fisiologismo.
Não à toa, a pressão dos lobistas foi acompanhada pelo burburinho de que o governo estava negociando a liberação de R$ 1 bilhão em emendas parlamentares. Durante as discussões, o presidente da Câmara, Henrique Alves (PMDB-RN), fez questão de repudiar a negociação. E prometeu votar até julho uma proposta que obriga o governo a pagar as emendas.
O irritante dessa confusão é perceber como a política brasileira é revestida de hipocrisia. As emendas individuais são uma bizarrice orçamentária que só serve para os deputados manterem seus currais eleitorais. O financiamento de campanhas é uma bagunça permite a doação de empresas privadas, mas muitas delas preferem fomentar esquemas de caixa dois porque pega mal se vincular "às claras" aos parlamentares.
No fundo, o problema não está em defender os interesses deste ou daquele grupo, mas a forma como isso é feito. O decente seria agir com transparência, que os políticos e seus doadores não tivessem constrangimentos de expor seus vínculos. É algo utópico, mas ainda é melhor do que as atuais regras da ilha do Tio Patinhas.



