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O sotaque de Gleisi e as pedras no caminho

Em 1991, o então presidente Fernando Collor ainda tinha certa popularidade quando começou a pensar em quem escolheria como sucessor. Certo dia, chamou o ministro Alceni Guerra (que acumulava as pastas da Saúde e da Criança) e fez uma proposta: "Se você perder esse sotaque do Paraná, será o meu candidato".

Alceni não teve nem tempo para treinar outro jeito de falar. Acusado injustamente de superfaturar a compra de bicicletas (ele foi absolvido anos mais tarde), deixou o governo em janeiro de 1992. Acabava uma trajetória meteórica rumo ao núcleo do poder em Brasília.

Duas décadas depois, começa outra saga paranaense.

A exemplo do que acontecia na relação entre Alceni e Collor, Gleisi Hoffmann chega à Casa Civil com características que remetem à presidente Dilma Rousseff. No discurso de posse, a nova ministra disse que vai agir como Dilma, "porque ela age da maneira certa, com clareza, razão e sentido público".

Quem compara as trajetórias calcula, pela lógica, que o destino natural de Gleisi seria a Presidência da República. Mas como em tudo na política nada se define matematicamente, fica a velha pergunta de sempre: o raio pode cair duas vezes no mesmo lugar?

Sim. O problema é que isso nem sempre é bom. Aliás, nas últimas três vezes que raios atingiram o Palácio do Planalto, acertaram em cheio as cabeças de José Dirceu, Erenice Guerra e Antonio Palocci.

Desde 2003, a única que escapou da tempestade foi Dilma. Ainda assim, não foi nada fácil. Dilma também teve suas intempéries, como a crise provocada pelo dossiê sobre gastos do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso supostamente montado a mando dela pela Casa Civil, em 2008.

Meses depois, a secretária da Receita Federal, Lina Vieira, afirmou que Dilma pediu para que ela interferisse em investigações contra o presidente do Senado, José Sarney.

Os dois casos renderam semanas de apuração da imprensa e, obviamente, de críticas da oposição. Gleisi não terá como escapar desse tipo de turbulência. Dois fatores vão pesar para o futuro de sucesso da petista: cumprir a missão de ser a gestora do governo e desviar das pedras que miram sua vidraça (e desviar, como ficou comprovado com Palocci, é bem melhor do que blindar).

Claro, há ainda o sotaque. Y otras cositas más. Vão inevitavelmente pegar no pé de Gleisi porque ela é bem diferente do restante da fauna que habita o Planalto Central.

Haverá sim preconceito pelo fato de ela ter vindo de um estado de pouca tradição política, bem mais famoso por produzir personagens fanfarrões do que líderes com credibilidade. Também vão lembrar diariamente das supostas facilidades de ser esposa do ministro das Comunicações, Paulo Bernardo. Por último, o fato de que ser bonita, feminina e loira não é lá um trunfo em um ambiente notoriamente machista, no qual as mulheres precisam ser mais duras do que o normal para se impor.

Por essas e outras, engana-se quem acredita que a paranaense precisa ser um clone de Dilma. Elas têm semelhanças, mas são as diferenças entre as duas que darão uma nova cara ao governo. Complementar a presidente e fazer as pessoas entenderem suas singularidades é o que garantirá a Gleisi (e por que não ao Paraná?) conviver melhor e manter-se no poder.

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