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Dias depois da sua posse, o ministro da Defesa, Nelson Jobim, participou de uma reunião em São Paulo com o brigadeiro Juniti Saito, comandante da Aeronáutica, o governador José Serra, o prefeito Gilberto Kassab, empresários e especialistas em transporte. O encontro durou quase três horas. Nele surgiu um consenso:

1. O movimento de Congonhas deve encolher, limitando-se a vôos cuja origem ou destino é São Paulo, com duração inferior a duas horas.

2. Guarulhos precisa do terceiro terminal e também de uma terceira pista.

3. Esse aeroporto precisa de uma ligação ferroviária com o centro da cidade.

Até aí, tudo bem. Cada participante da reunião teve motivos para se considerar inteligentíssimo. Quando chegou a vez do professor Nicolau Fares Gualda, titular de Planejamento e Operação de Transporte da Escola Politécnica USP, ele lembrou que essas propostas estão nos planos diretores de 1982. Mais: um novo estudo, feito para a Infraero em 2002, atualizou as diretrizes anteriores, recomendando as mesmíssimas coisas. Um dos participantes da reunião precisou conter o riso. Não se tratava de descobrir o que é preciso ser feito, mas de perguntar por que não fizeram o que foi proposto há 25 anos.

Cadê o trabalho? Protegido por uma cláusula de sigilo, abafou-se no papelório da aerocracia. Um estudo desse tipo não sai por menos de R$ 500 mil. Como uma coisa dessas aconteceu ninguém sabe, mas se pode especular por que aconteceu. Assim como jabuti não sobe em forquilha, relatório não entra em arquivo sem que alguém o ponha lá.

1. Desde 1982, a literatura técnica ensinava que o movimento de Congonhas não podia passar da marca dos 14 milhões de passageiros/ano. Quando o Airbus explodiu, o movimento estava em 18 milhões, para glória da TAM e da Gol.

O descumprimento desse limite teve duas conseqüências: melhorou o negócio das duas empresas e elevou os riscos das operações. Deu no que deu. (Antes mesmo do desastre da TAM, Congonhas já era o único aeroporto do mundo onde um passageiro foi atropelado e morto por um ônibus ao desembarcar de um avião.)

2. O estudo de 2002 aconselhava que o terceiro terminal de Guarulhos tivesse a mesma dimensão dos dois outros. Armou-se na Infraero uma licitação para obra 50% maior, com três níveis. No melhor estilo dos aerocratas, um dos andares seria um shopping center. Sem essa gracinha, em vez de custar R$ 1 bilhão, o terminal poderia sair 30% mais barato. Um estudo que recomenda prédios menores tende a sumir toda vez que é submetido aos ventos das empreiteiras.

Para a Infraero, o cidadão que vai ao aeroporto para embarcar num avião é um estorvo. Ela gosta é de lojas.

Sugere-se ao ministro Nelson Jobim que aplique a Lei de Mário Henrique Simonsen aos interessados nesse megaterminal. O ministro da Fazenda do governo Geisel (1974-1979) dizia que, em certos casos, o poder público deve pedir aos interessados numa obra que revelem o valor das comissões que receberão se ela for autorizada. Feito isso, paga-se a comissão ao magano desde que ele esqueça o assunto. No caso, cortando-se o excesso, a Viúva economiza uns R$ 300 milhões, dinheiro que poderia pagar um pedaço da nova pista.

Para o bom andamento do debate, Jobim poderia mandar que a Infraero torne público o trabalho feito na Poli.

Elio Gaspari é jornalista.

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