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Crise é uma coisa, opção pelo engano é outra. Em 1930, afogado na crise econômica, o presidente americano Herbert Hoover avisou: "O pior já passou (…) Dentro de 60 dias a Depressão acaba". (Ela duraria outros dez anos.) Infelizmente, nos períodos de dificuldade ocorre um excesso de oferta de empulhações. Noves fora bobagens marqueteiras, como a "marolinha" de Nosso Guia e a "pequeninha gripe" da comissária Dilma Roussef, o debate da crise está contaminado pelo excesso de análises e previsões de uma cantoria viciada, interesseira e fracassada. São economistas de bancos, diretores de fundos de investimentos e de casas de quiromancia financeira que distribuem receitas com a imponência dos cardeais e eloqüência de camelôs.

Cada um tem direito de dizer o que bem entende, mas a platéia precisa se vacinar. A primeira proteção pode ser um sistema de cotas. Para cada opinião de papeleiro que uma pessoa ouve, deve fazer força para buscar outra, de alguém que produz, seja lá o que for. Leu uma entrevista de banqueiro ou de ex-diretor do Banco Central? Tudo bem, procure ouvir alguém que fabrica um prego que seja. Se não aparecer ninguém, o caixa da lanchonete serve. Como ensinava o banqueiro Gastão Vidigal, só se pode chamar de "produto" aquilo que se pode embrulhar.

Preservativo é um produto. Derivativo não é.

A segunda proteção é qualitativa e exige mais cuidado. Trata-se da correta qualificação do sábio. Num exemplo:

O cidadão apresenta um arrazoado dizendo que o governo deve fazer isso ou aquilo. É um altruísta e se identifica como professor desta ou daquela universidade, ou mesmo como ex-mandarim na administração pública. Tudo bem, mas se acrescentasse que enche a geladeira de sua casa gerindo um fundo de investimentos de alto risco, a choldra entenderia melhor o que diz. Mais: nesses tempos amargos, ele poderia informar que o rendimento do seu fundo perdeu para o das cadernetas de poupança e os investidores caíram fora, restando-lhe apenas 10% da carteira que tinha antes da crise. Fundos com carteiras de R$ 1,5 bilhão, encolheram para R$ 150 milhões. Quem perdeu pouco, perdeu 25% do valor. Essa é uma das virtudes do capitalismo, pois o sujeito acredita numa coisa e investe nela. Se ganha, ótimo. Se perde, põe a viola no saco e sai para outra. Infelizmente, existe no Brasil uma casta de infalíveis impermeáveis ao fracasso.

Nos últimos 15 anos o debate econômico brasileiro foi fortemente influenciado pelo pensamento de professores que migraram para diretorias do Banco Central ou mandarinatos nas ekipekonômicas e de lá para a banca, onde aninharam-se. Opinavam como sábios operavam no mercado como dondocas emergentes.

Não é razoável que defendam a alta dos juros ao mesmo tempo em que aplicam na expectativa da decisão do Copom. Mesmo assim, é direito deles, pois ninguém está proibido de ser esperto. Não é justo, porém, que se apresentem como observadores neutros, sem informar à patuléia como ganham a vida.

A identificação dos legítimos interesses desses sábios certamente mostraria à patuléia o desequilíbrio existente entre a gritaria dos papeleiros e o silêncio dos empreendedores. Afinal, alguém tem que cuidar da loja.

Elio Gaspari é jornalista.

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