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O Coro da Multidão

A cidadania como hábito

"Participação em partidos políticos é o estágio final da cidadania. Devemos iniciar com um estímulo a agregar as crianças em grêmios estudantis desde a metade do ensino fundamental", a análise veio por e-mail, do leitor Edison Cam­boim. Ele tem razão. A participação política não se restringe à vida partidária. A formação de uma cultura de participação política somente é viável se desde cedo os cidadãos aprenderem que o debate público faz parte de suas vidas cotidianas. O problema, como sempre, é tornar isso realidade.

Fundar uma sociedade de cidadãos pode exigir o esforço de centenas de anos. Os ingleses começaram no século 13 a treinar o exercício do poder popular, quando instituíram os tribunais do júri e lançaram os cidadãos no banco dos juízes. Uma vez lá, os cidadãos tiveram de aprender a proteger os bens da comunidade, passaram a se sentir responsáveis por negócios que não diziam respeito somente a seus próprios umbigos. Acabaram por se descobrir eles próprios... Governo. O tribunal do júri, diz Alexis de Tocqueville em A Democracia na América, "ensina os homens a praticarem a equidade" e obriga "o homem a voltar a atenção para os negócios estranhos aos seus, elimina o egoísmo privado que é a ferrugem da sociedade". É claro que os tribunais do júri por si só não explicam a existência de uma sociedade de cidadãos, mas indicam o impacto que pode ter alguns mecanismos institucionais na criação de uma cultura democrática.

Se não podemos competir com séculos de exercício de cidadania dos ingleses, podemos ao menos tentar copiar o exemplo americano. Ao estudar o ambiente institucional dos Estados Unidos, Tocqueville na mesma obra declara que os cidadãos americanos aprendiam na escola a conviver com regras que eram estabelecidas por eles mesmos, o que os conduzia, na maturidade, a aceitar a vida política como algo habitual. Da análise de Tocquevile para cá muita coisa mudou em solo americano, mas o hábito de discutir assuntos públicos está disseminado nas escolas daquele país. Nas chamadas ligas de debates, os jovens americanos participam de torneios em que se discute questões públicas. O objetivo é familiarizar estudantes com o debate político.

Caso nos inspiremos no exemplo americano, a instituição de ligas de debate nas escolas brasileiras, desde o ensino fundamental, será um bom começo para nos retirar do atraso cultural em que vivemos. Não se trata de reviver a educação moral e cívica dos tempos militares, mas de tornar corriqueiro o debate de questões públicas. O hábito de discutir os problemas que afligem a sociedade, como fosse algo tão natural quanto comentar os mais recentes acontecimentos picantes do "Big Brother Brasil", traz à sociedade como efeito colateral a consciência de que se é responsável pelo próprio governo.

Se desejarmos implantar uma cultura de cidadania adequada às exigências de nosso tempo, a escola terá de mudar, pois seu papel será fundamental. Elas têm a virtude de conferir poder ao indivíduo, embora não estejam muito à vontade para explorar essa qualidade. Nesse contexto, a educação é essencial para construir uma nova cidadania, que vá além do voto. Se as escolas aceitarem esse desafio, nossa revolução cultural estará apenas começando.

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