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Ao saber pela televisão que um grupo de político estava roubando o Estado, o casal não teve dúvidas. Chamou os filhos para dentro de casa, trancou as portas e fechou as cortinas. Os tempos não pareciam promissores, era melhor não se comprometer com nada e ninguém, e esperar que o Estado tomasse alguma providência para corrigir aquela situação.

Eis a síndrome do avestruz político – um mal que acomete grande parte da sociedade brasileira. Não se trata exatamente de enfiar a cabeça na terra ao menor sinal de perigo, como no mito popular aconteceria com o avestruz, mas de ficarmos passivos esperando que alguém tome alguma atitude em casos de corrupção, de gastos injustificados ou de nomeações para cargos de confiança de pessoas denunciadas na Justiça. Uma das anomalias da democracia brasileira diz respeito à nossa própria conduta individual – falta-nos cultura e participação política.

Isso não é um lugar comum. A Unidade de Inteligência da The Economist fez até o momento três pesquisas avaliando a democracia no mundo – em 2006, 2008 e 2010. As três indicam que o Brasil não tem conseguido construir uma base sólida de cidadania no país. A partir de um questionário de 60 questões, a revista elabora um índice subdividido em cinco categorias: processo eleitoral e pluralismo político, liberdades civis, funcionamento do governo, participação política e cultura política.

Pelo Índice de Democracia 2010, o Brasil é classificado como democracia falha. O pior é que na pesquisa realizada no ano passado, o Brasil caiu seis posições – de 41.° para o 47.° lugar entre os 167 países pesquisados. E as categorias que mais influíram para a má avaliação do Estado brasileiro justamente são as que se referem à participação política e à cultura política. Numa escala de 0 a 10, o Brasil ficou com nota 5 em 2010 na categoria Participação Política, enquanto na pesquisa de 2008, a nota era 4,44. Já em relação à Cultura Política, houve uma queda considerável. Em 2010, a nota atribuída foi 4,38. Em 2008, a nota era 5,63.

O problema dessa cultura do avestruz é que damos oportunidade para sermos ridicularizados pela classe política, pois toleramos os pecados e os pecadores. Há aqueles que, após uma quarentena fora dos holofotes políticos, retornam como homens regenerados. É o caso, por exemplo, do deputado João Paulo Cunha (PT-SP), réu do escândalo do mensalão, que assume a presidência da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) na Câmara Federal. Há também aqueles que os escândalos são incapaz de retirar de posições de comando, como José Sarney reeleito para a presidência do Senado. É também o caso do deputado Nelson Justus (DEM), que assume a presidência da CCJ na Assembleia Legislativa do Paraná –o ex-presidente da Casa foi denunciado por improbidade administrativa no caso dos Diários Secretos. Todos os três contam com o aval de seus colegas.

A permanência em cargos importantes somente é possível nessas condições porque a sociedade tolera. Entretanto, essa cultura dócil, de resignação política, de obediência, de aceitação a nomeações de pessoas cujos atos estão sendo investigados é totalmente avessa ao regime democrático. Democracia plena é algo a ser conquistado a duras penas com a participação da sociedade na esfera pública. Não é algo que o Estado – pai bondoso ou mãe gentil – nos concede de boa vontade. Como outras nações antes da nossa fizeram, a sociedade brasileira terá de aprender a ocupar o espaço público e a exercer pressões contra os governantes a fim de tornar o país definitivamente democrático. Mas para isso será necessário abandonar a síndrome do avestruz.

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Salto de qualidade

Os tempos de crise econômica são sempre muito salutares para que os cidadãos se motivem a mobilizar esforços por mudanças. Mas esperar que crises surjam para corrigir vícios político-administrativos é o cúmulo da passividade e do espírito antidemocrático. Não há fórmula para melhorar a cultura política de uma sociedade que vive pouco mais de 20 anos sob a chamada "Constituição Cidadã". Democracia se constrói pela experiência. Entretanto, não seria possível dar um salto de qualidade na prática democrática brasileira? O que se precisa para que isso ocorra? Como é possível ampliar a cultura política e a participação popular na vida pública brasileira? Ou estaríamos fadados a ser governados passivamente, compartilhando do cinismo de parte de nossos governantes? O que você pode fazer para mudar isso nas suas relações pessoais?

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