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O episódio envolvendo o senador Roberto Re­­­quião (PMDB) e um jornalista que fazia cobertura política no Senado serve como exemplo da existência de dois tipos de cidadãos brasileiros – os políticos e as pessoas comuns. É vergonhoso que ainda não tenhamos conseguido nos livrar de cacoetes que remontam ao Brasil colônia. É também urgente uma mudança de comportamento dos cidadãos para evitar que os reiterados casos de tratamento desigual entre agentes públicos e a sociedade continue a persistir.

Resumindo o caso de Requião e o jornalista. Há uma semana o senador arrancou o gravador do repórter Victor Boyadjian, da Rádio Bandeirantes, em Brasília, porque se irritou com perguntas a respeito da aposentadoria de R$ 24,1 mil que recebe mensalmente por ter sido governador do estado. Ao tentar registrar queixa à Polícia do Senado, o repórter foi informado que não poderiam fazer nada contra um senador. O episódio rendeu uma representação contra Requião, por quebra de decoro parlamentar. Mas dificilmente isso lhe trará qualquer consequência punitiva.

São pelo menos três os fatos que demonstram a desigualdade de tratamento entre o político e o cidadão. Em primeiro lugar, o tratamento que o senador dispensou ao repórter foi desrespeitoso, não condizente com um ambiente democrático, em que a política deveria ser discutida sem constrangimentos nem medo de retaliações da classe dirigente.

Em segundo lugar, a aposentadoria de governador, assim como qualquer aposentadoria para cargos eletivos, é um privilégio irracional. Uma distorção da concepção de espaço público. Os beneficiários de tal privilégio justificam geralmente a aposentadoria sob o argumento que prestaram serviços importantes ao estado, logo, são merecedores de receber para sempre dinheiro público. Outro argumento é que a aposentadoria é uma forma de evitar que o ocupante do cargo se sinta compelido a roubar o Estado. Como se o fato de ocuparem temporariamente uma função pública os alçasse a uma condição superior à demais cidadãos brasileiros. Como se o fato de receberem uma aposentadoria fosse definitivamente inibir maus políticos de se apropriar de recursos públicos.

Em terceiro lugar, é estarrecedor descobrir que a função da Polícia do Senado é defender os senadores da sociedade. Isso ficou evidente no caso, pois, a Polícia do Senado se negou a registrar queixa contra o senador.

Em um país que se diz uma República – ou seja, que se pretende um Estado de iguais – esses fatos não podem ser considerados "naturais". Não é natural, nem apropriado, que os eleitos utilizem seu poder para realizar quaisquer atos contra outros cidadãos. Não é natural que os eleitos, ao deixar seus cargos, tenham benefícios previdenciários diferentes dos demais. Não é natural que a Polícia do Senado tenha uma função semelhante à segurança privada e proteja uma classe de indivíduos (senadores), contra todos os outros.

O caso envolvendo Requião não é nenhuma exceção ao que ocorre cotidianamente no país. É apenas mais um exemplo. Tomou proporções maiores porque o senador é um dos políticos mais tradicionais de nosso estado.

Entretanto, no Brasil, o tratamento desigual entre a classe dirigente e os chamados "cidadãos comuns" é o padrão. Somos culpados tanto quanto os donos do poder pela desigualdade existente entre nós. Nós contribuímos com a perpetuação da desigualdade toda vez que acreditamos que eles são superiores a nós, quando aceitamos que eles recebam tratamento diferenciado, quando nos acomodamos e deixamos que suas condutas viciosas permaneçam impunes.

A forma mais direta e simples para combatermos a desigualdade política existente no Brasil é por meio da não aceitação dos privilégios. Isso passa por tratar as "autoridades", os ocupantes de cargos públicos, como iguais. Isso significa tratá-los com o respeito que é dispensado a todo e qualquer cidadão. Isso significa cobrar da classe política um comportamento adequado à função que exercem e significa também cobrar que prestem contas de seus atos e de seus gastos. Com essa mudança de postura pessoal, nós cidadãos comuns vamos conquistando a igualdade.

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