A realidade não engana. Protestar funciona e pode melhorar a transparência pública. O que está acontecendo nas manifestações do Rio de Janeiro serve de alerta tanto para agentes públicos quanto para ativistas.
Na tentativa de conter o vandalismo, o governador do Rio, Sérgio Cabral (PMDB), baixou um decreto na quarta-feira da semana passada criando a Comissão Especial de Investigação de Atos de Vandalismo em Manifestações Públicas (CEIV). No artigo 3.º, parágrafo único, o decreto determinava que operadoras de telefonia e provedores de internet deveriam, no prazo de 24 horas, atender a pedidos de informação. Juristas consideram o decreto ilegal. O procurador-geral de Justiça do Rio, Marfan Vieira, diz que a interpretação é equivocada, que nunca a comissão pensou em quebrar sigilo, que o decreto está em harmonia com o ordenamento jurídico.
Cabral tem todo o direito de combater o vandalismo em manifestações. Não há fim justificável para a depredação de patrimônio público ou privado. Mas Cabral tem conduzido muito mal não só as negociações com os manifestantes, como tem protagonizado episódios que abalam a sua imagem fotos de festa em Paris dançando com guardanapo de pano na cabeça; uso de helicóptero do estado pela família; gastos públicos considerados excessivos para a Copa e a Olimpíada.
Esses fatos não passaram em branco aos manifestantes. Na quarta-feira, eles se reuniram com o procurador-geral de Justiça Marfan Vieira que se comprometeu a divulgar na internet informações atualizadas sobre investigações que envolvem o governo estadual, em especial as que tratam do uso do helicóptero do governo por parentes de Cabral e de gastos públicos em obras dos eventos esportivos. A transparência pública está sendo uma consequência de protestos.
Enquanto os cariocas discutem a divulgação de dados atualizados sobre investigações da administração pública, a discussão no Paraná gira em torno da divulgação de salários de servidores públicos. Aqui ainda há quem acredite que isso fere o direito à privacidade, apesar de o Supremo Tribunal Federal ter decidido administrativamente publicar a remuneração de todos os ocupantes de cargos públicos daquela corte. Fosse inconstitucional, o órgão máximo do Poder Judiciário publicaria as remunerações? Como se vê, a distância que separa o Paraná do Rio de Janeiro vai muito além dos 1.200 quilômetros.
Os cariocas legam-nos seu aprendizado. Em algum momento, privilégios ilegais ou imorais, cultura do sigilo e demonstrações públicas de luxos e excessos podem romper a barreira do tolerável e se tornar objeto de protesto incessante.



