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Minha casa, meu reino. Sossego no lar é fundamental, e por isso até mesmo as melhores e mais bem-intencionadas manifestações populares podem gerar inimigos ferozes na vizinhança. Em discussões do tipo, como a que pede o fim da Quadra Cultura no bairro São Francisco, é difícil decretar quem está certo e quem está errado. O ideal, obviamente, seria um pouco de bom-senso da parte de todos os envolvidos.

Daí vem a pergunta óbvia: um evento anual causa tanto incômodo? Os moradores e comerciantes da região não concordam com a restrição de poucas ruas em um único dia em todo o ano? Se a organização agir corretamente, garantindo infraestrutura, segurança e limpeza prévia e posterior, qual é o grande prejuízo?

Não estou aqui para fazer uma defesa do evento, do qual, por motivos variados e irrelevantes, nunca participei. Mas o tema é interessante para pensarmos um pouco sobre a cidade, o espaço público e a falta de cidadania de grande parte das pessoas.

Uma coisa que sempre me assombra é a impaciência de motoristas em determinadas situações. Por exemplo: corridas de rua. Alguns dias antes de haver um evento que exige o bloqueio de ruas, a prefeitura sempre espalha pela cidade dezenas de faixas avisando, e as rádios, jornais e televisões divulgam o fato. Mesmo assim, as pessoas que não têm ideia do que acontece na cidade em que moram – ou até sabem, o que é pior –, ficam indignadas ao encontrar um trânsito lento, e dá-lhe buzinar na orelha dos corredores.

A Maratona de Curitiba, maior evento do tipo na cidade, é realizada uma vez por ano, em um domingo pela manhã. Causa transtorno ao trânsito de muitos bairros, por seu longo trajeto, de 42 quilômetros. Alguns xiitas poderiam ter a péssima (e inviável) ideia de levar a corrida para a pista de um parque, argumentando que têm o direito de ir e vir e que a maratona atrapalha o livre trânsito.

E se alguém reclamar do bloqueio de ruas que ocorre quase todas as semanas por causa dos jogos de futebol? Qual seria a solução? Levar os estádios para fora da cidade?

Os protestos feitos pelos trabalhadores por melhores salários também são um grande gargalo no trânsito e, para piorar, sempre ocorrem em dias úteis, quando as ruas estão lotadas e congestionadas. E aí? Bom, a lista de eventos que geram transtornos ao trânsito e aos moradores do entorno é enorme. Qual a maneira de lidar com isso que não seja com bom-senso?

Nova York

E se os motoristas de Curitiba tivessem que se acostumar com o bloqueio permanente de algumas ruas? Se mais espaços virassem calçadões para pedestres, eliminando para sempre a possibilidade de transitar com automóveis?

Em Nova York, a secretária de trânsito local, Janette Sadik-Khan, tem implantado ações desse tipo. Desde que ela assumiu o cargo, em 2007, já fechou em torno de 13 ruas e as transformou em praças, segundo informações do jornal Valor Econômico. Um dos calçadões está bem no meio da Times Square. Também duplicou a quilometragem de ciclovias, que agora chegam a 800 quilômetros.

Em um artigo escrito na revista Business Week há um mês, Janette pontua o que considera os benefícios de uma localidade bem projetada. Para começar, ela diz que as cidades também estão inseridas em um mercado competitivo, e se você as torna atrativas, com belos prédios e espaços públicos de qualidade, atrairá os melhores investimentos.

Com o calçadão de pedestres, Janette disse que o fluxo de pedestres aumentou e isso ajudou a valorizar a região da Times Square. "Nós estamos olhando para nossas ruas como espaços públicos valiosos, e nós precisamos deixá-las mais seguras e facilitar a vida para as pessoas caminharem e andarem de bicicleta. Boas ruas são bons negócios", diz ela.

O negócio só será bom mesmo se as pessoas puderem aproveitar esses espaços. Festando, correndo, caminhando... e sentando. Uma boa rua também se faz com bancos confortáveis. "Instalamos mil bancos pela cidade. Eles são cruciais para fazer que as pessoas desfrutem a cidade", disse Janette ao Valor. Gostei dela. Este é o último ano de sua gestão. Será que ela estaria interessada em trabalhar em Curitiba?

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