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Entrevista

"Caso não foi ‘um ponto fora da curva’"

Carlos Ayres Britto, ex-presidente do Supremo Tribunal Federal

Um ano depois do início do julgamento do mensalão, o ex-presidente do Supremo Tribunal Federal(STF) Carlos Ayres Britto, que presidiu 50 das 53 sessões do processo, rebate a tese do ministro Luís Roberto Barroso, que o sucedeu, de que o caso foi um ponto fora da curva na corte. Para ele, o STF proferiu uma decisão "ditada pela heterodoxia do caso", que exigiu "refinamentos conceituais".

Alguns ministros acham que exageraram em seus votos e que os embargos de declaração apontariam erros graves no acórdão. É isso mesmo?

Todo mundo sabia que estava participando de um julgamento histórico, mas quando dizem que proferimos uma linha fora dos padrões do Supremo, um ponto fora da curva, eu rebato. Heterodoxo foi o caso. Você já viu um processo penal contra 40 réus situados no topo da pirâmide social, política e econômica? E com sete imputações gravíssimas entrelaçadas? Aí o Supremo proferiu uma decisão não heterodoxa, mas ditada pela heterodoxia do caso, exigindo refinamentos conceituais, aprofundadas discussões teóricas, o olho mais agudo sobre cada peça do processo. Acho estranho chegar agora e dizer que ministros pegaram pesado e que estão arrependidos. Dizem: "Ah, o Supremo nunca fez essas decisões tão sutis, tão refinadas, tão sofisticadas." É porque nunca tivemos caso igual a esse.

Houve alguma pressão sobre os ministros?

Esse processo se caracterizou pelo gigantismo, era natural que a população revelasse um nível de interesse pela causa. E o que cabia aos ministros era uma conduta tal como ocorreu: serena, isenta. Uma lição fundamental que resultou desse caso é a da transparência, da visibilidade das sessões. O olho aceso da população amplia a responsabilidade do julgador.

Se na retomada do mensalão o Supremo decidir reduzir penas, a sociedade pode se frustrar?

Como o julgamento não terminou, não quero dar nenhuma resposta que possa sinalizar assédio técnico perante os colegas que ficaram. Pode parecer pressão para um endurecimento. Não me é dado fazer isso.

Agência Estado

Com dois novos ministros na corte e ainda sob o impacto das manifestações populares de junho, o Supremo Tribunal Federal (STF) retoma nesta semana o julgamento do mensalão. Nesta fase do processo, serão analisados os recursos dos condenados do caso.

INFOGRÁFICO: Conheça um pouco dos ministros que podem mudar os rumos do julgamento do mensalão

Mesmo com as penas dos réus já definidas, as decisões sobre esses recursos são fundamentais para o futuro de personagens como Marcos Valério, José Dirceu, João Paulo Cunha e Delúbio Soares.

Para a defesa dos condenados, a mudança na composição do tribunal é vista com bons olhos. César Peluso deu lugar na corte a Teori Zavascki. Já Luis Roberto Barroso substituiu Ayres Britto. Em seus votos, os dois ex- ministros seguiram quase sempre as posições do relator do caso, ministro Joaquim Barbosa. No total, 25 réus foram condenados no processo, sendo 13 deles para cumprimento de pena em regime fechado.

Embora seja difícil prever o comportamento de Zavascki e Barroso no julgamento dos recursos – ambos deram poucas declarações sobre o caso até o momento – a saída de dois ministros que adotaram "linha dura" durante o processo garante alguma esperança para os réus.

Postura

Esperando uma nova postura da corte, os advogados se movimentam. A defesa do ex-tesoureiro petista Delúbio Soares, por exemplo, solicitou ao tribunal a realização de um novo julgamento para o crime de formação de quadrilha. O instrumento adotado pela defesa de Delúbio, chamado de embargo infringente, já gera divergências jurídicas no Supremo.

Os embargos infringentes constam no regimento interno do STF, desde que o apelante tenha recebido quatro votos favoráveis à sua absolvição. Por outro lado, não estão descritos na lei que regula a tramitação das ações na corte.

O presidente do STF e relator do caso, Joaquim Barbosa, declarou ser contra os embargos. Agora, o plenário deve se posicionar sobre o tema. Um entendimento favorável dos ministros abre a possibilidade de novo julgamento para 11 réus – o ex-ministro da Casa Civil José Dirceu está entre eles – que receberam quatro votos pela absolvição.

O jurista e professor do Centro de Justiça e Sociedade da Fundação Getúlio Vargas (FGV-Rio), Ivar A. Hartmann, analisou todos os embargos infringentes apresentados pelas defesas ao Supremo. Segundo ele, a aceitação é "mínima", mas o caso do mensalão traz uma novidade. "Em ações penais originárias do próprio Supremo, o procedimento nunca foi tentado. Foi tentado com três votos e rejeitado. Mas com quatro, nunca", disse.

Hartmann explica ainda que os advogados apresentaram outros recursos, os chamados embargos de declaração, cuja natureza não prevê, a rigor, mudança da pena. "Todos os réus ajuizaram. Esses embargos não têm a finalidade de mudar a pena. Têm finalidade de esclarecer a compreensão da decisão, mas, às vezes, como efeito colateral, pode acontecer de um ministro modificar uma parte da decisão."

Pressão

Se a mudança de dois ministros pode, em tese, diminuir o peso das penas para os condenados no processo, a onda de manifestações populares em junho pressiona no sentido contrário. Em vários dos protestos nas cidades brasileiras, os manifestantes pediam o cumprimento das penas impostas. Pesquisa Datafolha divulgada em julho mostrava que 75% dos entrevistados defendiam a prisão imediata dos condenados. "Os ministros foram perguntados sobre isso e disseram que não, que não influi e que o julgamento é técnico, mas opinião pública estará sim acompanhando o julgamento. Existe uma pressão."

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