
Cercado de incertezas sobre a implantação da Lei de Acesso à Informação, o Brasil sedia hoje e amanhã a primeira conferência anual da Parceria para o Governo Aberto (OGP, da sigla em inglês). O evento, em Brasília, vai contar com a presença da secretária de Estado norte-americana, Hillary Clinton, e tem como pano de fundo a tentativa dos Estados Unidos de chancelar o país como liderança na área de transparência orçamentária, acesso a dados públicos e participação social. Excluídas da discussão, as duas principais entidades brasileiras dedicadas ao tema, Transparência Brasil e Contas Abertas, fizeram críticas ao contexto da reunião.
A OGP foi criada em setembro do ano passado, em Washington, e reúne atualmente 51 países sob a coordenação de Brasil e Estados Unidos. Os lemas do grupo são promover a transparência, dar poder aos cidadãos, lutar contra a corrupção e fortalecer a governança por meio de novas tecnologias. Cada país desenvolve o seu próprio plano de governo aberto e compartilha experiência com os outros.
Em visita ao Brasil no ano passado, a assessora especial da Casa Branca, Samantha Power, já havia declarado que a agenda da OGP era tratada como prioridade pelo presidente Barack Obama. Desde o princípio, a intenção era auxiliar o Brasil a atuar como modelo democrático para outros países emergentes. "O Brasil é referência na área de orçamento participativo e pelo portal da transparência do governo federal, mas essas são apenas questões pontuais, há outras em que precisamos avançar", diz o pesquisador da área de transparência governamental da Fundação Getulio Vargas, Fabiano Angélico.
Pouco acesso
Boa parte da estratégia brasileira está ligada ao sucesso da Lei de Acesso à Informação (12.527), sancionada em dezembro de 2011 e cujas medidas passam a valer no dia 16 de maio. A partir dessa data, todas as esferas estatais e organizações não governamentais que recebem dinheiro público precisam prestar informações requisitadas pelos cidadãos dentro de um prazo máximo de 30 dias. Os órgãos também vão precisar criar estruturas específicas de atendimento a esses pedidos.
Muitas instituições, porém, ainda não estão preparadas para a tarefa. Há quatro meses, a Gazeta do Povo solicitou informações a dez instituições municipais, estaduais e federais e constatou que nenhuma cumpriu à risca o que diz a lei. Apenas uma o Supremo Tribunal Federal forneceu os dados satisfatoriamente, ainda assim, com oito dias de atraso em relação ao prazo legal.
Especialistas ficam de fora do debate
Na avaliação de especialistas em transparência governamental, o Brasil precisa vencer várias barreiras antes de implantar, de fato, um governo aberto.
"Discutir referências internacionais sobre governo aberto me parece algo muito sofisticado para um país em que ainda é tabu divulgar os nomes e salários dos servidores pagos com dinheiro público", avaliou Gil Castello Branco, diretor da Contas Abertas, associação sem fins lucrativos especializada no monitoramento de gastos públicos.
O diretor da Transparência Brasil, Cláudio Weber Abramo, criticou a política de escolha das entidades civis que integram a OGP pelo Brasil. "É uma omissão escandalosa: as duas organizações [Contas Abertas e Transparência Brasil] que trabalham mais ferozmente pela transparência no país não fazem parte do grupo. Então só podemos dizer que a participação da sociedade civil está gravemente comprometida."
Castello Branco lembrou que a Lei de Acesso ainda depende de regulamentação e que, a menos de um mês da entrada em vigor da lei, o governo ainda não redigiu um decreto sobre o tema. A falta de regulamentação deve atrapalhar a execução da lei, principalmente em estados e municípios.
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