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Certa vez o escritor José Saramago deu o seguinte depoimento: "Um dia percebi que deveria ficar atento aos meus limites e esses marcariam uma linha a qual eu não deveria ultrapassar. Seria como saber o alcance das minhas competências. Resolvi, então, ficar dentro delas e, curiosamente, foi a partir dessa resolução que o meu mundo se expandiu. Saber o tamanho das minhas pretensões deixou-me livre para escrever com mais facilidade".

Estar ciente dos nossos limites, competências e pretensões é sinal de sabedoria. Muitos se esforçam tanto para ser o que não são que se esgotam em ações vazias e resultados pífios. Saber até onde podemos ir nos dá serenidade de espírito, tranquilidade para trabalhar e um caminhar menos estressante. Resultado: o mundo se abre para nós e os limites naturalmente se expandem. É um paradoxo, mas é assim que funciona.

Ao adotar tal atitude, em vez de diminuir o espaço das nossas ações, nós o aumentamos, porque seremos senhores dos nossos pontos fortes e fracos e saberemos o que é adequado fazer ou não. Agindo assim, cometemos menos erros.

A constante auto-observação sobre o próprio modo de agir nos fará entender melhor nossas qualificações, nos dirá até onde poderemos chegar com naturalidade e nos manterá fora de complicações, pois não nos meteremos a fazer aquilo para o qual não estamos preparados. O velho ditado "o sapateiro não deve ir além das botas" nos aconselha a não nos meter a dar palpites ou tentar fazer o que não sabemos. Se a nossa competência em futebol é para ser um perna de pau, não dá para querer ser um Neymar.

Os jovens cunharam uma expressão para qualificar aquele que não sabe direito o seu lugar: "o sem-noção" – indivíduo pretensioso que quer ser ou parecer mais do que é. Outro dia, conversando com um amigo sobre "ambição", ele, especialista na área do empreendedorismo, me saiu com essa: "Tem gente que é pretensiosa demais, pensa em conquistar o mundo e não tem competência nem para dar conta do seu bairro". Para esses, o conselho do Saramago: atente-se aos seus limites e vá adquirindo competência e habilidades para alçar, aos poucos, voos mais altos. Isso vai dar confiança e evitará quedas bruscas.

Jovens executivos, recém-saídos da faculdade, já querem cargos de diretoria. Nada contra a pretensão – faz parte da natureza humana –, mas, para desempenhar bem um cargo elevado, de comando e liderança, são necessárias altas doses de maturidade e experiência. Ícaro, ao escapar do labirinto do Minotauro com asas feitas de penas de pássaros e coladas com cera de abelha, foi pretensioso demais. Desobedeceu ao pai, Dédalo, e voou em direção ao sol. Caiu porque a ambição desmedida mata.

Prestar atenção ao modo como agimos e definir a medida de cada competência e habilidade nos diferentes tempos das nossas vidas é um exercício constante de autoconhecimento, concentração e humildade. Ao tomarmos uma decisão importante, devemos pensar se realmente estamos aptos a arcar com a empreitada e quais os resultados finais dessas ações.

O conselho vale também para melhorar nossas relações interpessoais, pois estar ciente do modo de agir dos outros – parceiros ou concorrentes – facilita a maneira de lidar com eles e nos livra de dissabores, muitas vezes camuflados em falsas intenções.

O colunista Luís Fernando Verissimo está de férias.

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