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Um olho nos traficantes e o outro nas indústrias químicas. A recente descoberta da existência de uma refinaria com capacidade de produção de cerca de meia tonelada de cocaína por mês na Favela da Rocinha, em São Conrado, na Zona Sul do Rio, revela que os traficantes estão deixando de comprar a droga pronta de outros países para produzir aqui mesmo, na cidade maravilhosa. A possibilidade de uma nacionalização da produção da droga leva à necessidade de um maior controle da indústria de insumos químicos.

Para o ex-secretário nacional Anti-Drogas Walter Maierovitch, a grande refinaria de cocaína na Rocinha seria um indicativo de uma mudança na estratégia do narcotráfico, indústria que movimenta, segundo o especialista em segurança e crime organizado, US$ 600 bilhões no sistema bancário internacional por ano. Trata-se, como explica ele, de uma inversão no comércio da droga, tradicionalmente fabricada em países andinos (Colômbia, Bolívia e Peru) a partir da mistura da pasta de coca produzida nessas regiões com produtos químicos contrabandeados principalmente do Rio de Janeiro e de São Paulo.

A nova tática seria uma questão de lucros maiores: trazer a pasta de coca da Colômbia, por exemplo, e refiná-la aqui é mais barato do que importar a droga pronta. E também de sobrevivência nos negócios: novas refinarias seriam uma forma de escapar da maior vigilância ao tráfico internacional e seus centros produtores já tradicionais.

- A existência da refinaria na Rocinha com essa capacidade de produção é de uma gravidade muito grande. Mostra uma inversão de mão. Antes, os produtos químicos eram contrabandeados para Colômbia, Bolívia e Peru para se produzir a droga. A refinaria na favela é o primeiro indicativo do contrário. A matéria prima passa a ser trazida para o Brasil para se refinar a cocaína aqui no país. Agora a pasta de coca vem para o país e o refino passa a ser feito no Rio de Janeiro, dentro de um grande centro de consumo - diz Maierovich, diretor do Instituto Brasileiro Giovanni Falcone (IBGF), que pesquisa ciências criminais.

O cerco da polícia a traficantes colombianos teria favorecido o surgimento dessas refinarias no Rio , segundo o coronel José Vicente da Silva Filho, ex-secretário nacional de Segurança Pública.

- Com a prisão dos grandes traficantes da Colômbia, hoje se multiplicaram os produtores, especialmente naquele país. O mercado tem superprodução e a cocaína está barata. Fica uma tentação comprar a pasta e fazer aqui a multiplicação do produto - comenta o militar.

Por conta disso, Walter Maierovich defende que se aumente a fiscalização sobre a indústria química. No refino da cocaína a pasta de coca é misturada a produtos como éter, acetona e permanganato de potássio. Trinta quilos de pasta de coca, por exemplo, agregada desses insumos, se transformam em até cem quilos de cocaína. A discussão sobre a necessidade de um aperto na indústria química foi levantada no blog Repórter de Crime , do jornalista Jorge Antonio Barros, por ocasião da descoberta do refino de cocaína na Rocinha, na semana passada.

- O grande caminho para o combate ao tráfico é o monitoramento da venda e da revenda de produtos químicos. É uma questão de governo, e não simplesmente de polícia. Sem insumo não tem droga - diz Maierovitch.

Controle previsto pela ONU

Convenções das Nações Unidas determinam que a fabricação e a exportação de insumos químicos sejam controladas. A Associação Brasileira de Indústria Química, procurada pela reportagem do GLOBO ONLINE, preferiu não se manifestar e também não indicou quem pudesse falar em nome dela. Apenas informou que o controle dos insumos cabe à Polícia Federal. A portaria 1274/2003, do Ministério da Justiça, lista os 146 produtos químicos de venda controlada, entre eles a acetona, o ácido clorídrico e o éter.

- O controle de insumos químicos é muito precário. O pequeno consumidor pode comprar 50 litros de éter. Se estiver mal intencionado, ele pega 25 litros e mistura com água e repassa os 25 restantes para o tráfico - afirma Maierovich.

O coronel José Vicente da Silva Filho cita outro aspecto:

- Há, de um lado, a deficiência da repressão e, de outro, a corrupção dos policiais. Não tem crime minimamente organizado sem policial na folha de pagamento. Infelizmente, a polícia do Rio não se queixa mais que o Rio não produz cocaína.

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