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“É natural que em conferências, em que se abre espaço para reivindicações, surjam manifestações para tentar ‘corrigir’ o que aconteceu no passado.”
Eugênio Bucci, jornalista e ex-presidente da Radiobrás | Gilberto Abelha/Jornal de Londrina
“É natural que em conferências, em que se abre espaço para reivindicações, surjam manifestações para tentar ‘corrigir’ o que aconteceu no passado.” Eugênio Bucci, jornalista e ex-presidente da Radiobrás| Foto: Gilberto Abelha/Jornal de Londrina
  • Confira propostas que podem limitar a liberdade de expressão

Tema de discussão recorrente em conferências nacionais, o controle social dos meios de comunicação divide opiniões de dirigentes de entidades do setor de comunicação e especialistas da área. Enquanto a Associação Nacional dos Jornais (ANJ) e a Associação Brasileira de Rádio e Televisão (Abert) veem com preocupação as propostas de controle da mídia, o mesmo não ocorre com a Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj). Em meio a esse debate, o governo federal prefere não se manifestar sobre sua política para o setor no país.A 1.ª Conferência Nacional de Comunicação (Confecom) aprovou propostas de controle da mídia em dezembro do ano passado. Da mesma forma, a Conferência de Política de Igualdade Racial defendeu interferência pública na mídia, pedindo, por exemplo, a presença de 20% de negros, índios e outras etnias na programação das emissoras de rádio e tevê. Já a 2.ª Conferência Nacional da Cultura que será realizada neste ano deverá também ser palco de propostas de controle social. O texto base para a discussão dessa conferência menciona, por exemplo, a existência de um monopólio dos meios de comunicação, que ameaçaria a democracia brasileira.

"Vemos com preocupação o fato de haver setores da sociedade que têm participado das conferências e que se manifestam pela criação de algum tipo de controle da liberdade de expressão", afirma o diretor executivo da ANJ, Ricardo Pedreira. "Além disso ser inconstitucional, é uma visão antidemocrática." Pedreira lembra, entretanto, que os textos aprovados pelas conferências são enunciados genéricos, que não necessariamente serão encaminhados para se transformarem em lei.

Já na avaliação do presidente da Fenaj, Sérgio Murilo de Andrade, as reivindicações de controle social da mídia mostram que há parcelas da sociedade que querem mudanças no setor. "Acho que ao invés de se estabelecer preconceitos, os proprietários de meios de comunicação deveriam abrir canais de interlocução para entender os motivos das queixas das pessoas." Embora seja contrário a qualquer forma de censura prévia, Sérgio Murilo afirma que o controle da mídia acontece há décadas na Europa e que no Brasil seria apropriado regulamentar dispositivos constitucionais referentes à área de comunicação social.

O jornalista e professor de Comunicação da Universidade de São Paulo (USP) Eugenio Bucci, ex-presidente da Radio­brás, considera que as propostas de controle da mídia precisam ser vistas como um sintoma de que a discussão sobre liberdade de imprensa não está amadurecida no país. Ele diz que é preciso levar em conta que durante um bom tempo houve uma aproximação indevida de oligarquias regionais controlando meios de comunicação. "É natural que em conferências, em que se abre espaço para reivindicações, surjam manifestações para tentar ‘corrigir’ o que aconteceu no passado."

Para Bucci, nesse contexto, é normal que em conferências surjam propostas que tratem de regulação do mercado da mídia. Porém, ele acha improvável que desses movimentos saiam tentativas de controle meios de comunicação. "Isso vem sendo superado. Parece-me que se trata de uma incompreensão por parte de alguns movimentos sociais do significado de liberdade de imprensa, assim como muitas vezes o Judiciário toma decisões equivocadas."

Direitos Humanos

O texto do Programa Nacional de Direitos Humanos, que consta do decreto aprovado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva em dezembro, e que deverá servir de base para encaminhamento de propostas de leis ao Congresso Nacional, indica que podem vir a ser propostas leis que envolvam algum tipo de restrição ao conteúdo dos meios de comunicação. É o caso da criação de ranking dos meios de comunicação que violam direitos humanos.

Para o presidente da Abert, Daniel Slaviero, a criação de um ranking ou de imposição de penalidades a emissoras é uma forma de tentar constranger ou coagir a mídia. "O problema é quem vai definir os critérios sobre direitos humanos. Isso pode ser usado para reprimir os meios de comunicação."

Apesar de trazer indicações de que poderá vir a interferir no conteúdo produzido pela mídia com a justificativa de proteção de direitos humanos, o governo federal não se manifesta sobre, como isso será feito, ou, mesmo qual é a sua política para a comunicação no Brasil. A reportagem procurou a Secretaria Especial de Direitos Humanos e a Secretaria de Comunicação da Presidência, mas nenhum dos dois órgãos quis se manifestar.

"Interferência é improvável""É improvável que se venha a estabelecer o controle social dos meios de comunicação no Brasil. Os grupos de mídia se tornaram muito poderosos com lobbies organizados o que dificulta a implantação de controle. E a sociedade atual não aceitaria isso." Assim pensa o professor de Ciências Políticas e Direito Constitucional Carlos Strapazzon, do Centro Universitário Curitiba. "Se estivéssemos nas décadas de 1960 ou 1970 isso poderia acontecer. Mas hoje, do ponto de vista prático, é impossível", diz Strapazzon.

Segundo o professor, hoje há consenso de que o Estado não é um bom guardião "da moral e dos interesses públicos". "É ingenuo imaginar que o Estado pode fazer um controle melhor que a sociedade."

Strapazzon, contudo, considera que não é ruim que o Estado estabeleça critérios direcionados à concretização de direitos humanos. "Não acho que a liberdade de imprensa seja um valor absoluto. O Estado não pode ser o tutor moral da sociedade, mas tem um papel importante de colocar na agenda pública temas como o dos direitos humanos."

Da mesma forma, o professor de Comunicação da USP Eugênio Bucci afirma que as tentativas de se estabelecer o controle dos meios de comunicação vem sendo classicamente superadas. "A imprensa é útil quando é livre. Ela não precisa ser necessariamente de boa qualidade, mas precisa ser livre." Segundo Bucci, espera-se que num regime de liberdade o próprio debate vá contribuindo para que os conteúdos divulgados sejam melhorados. "O único remédio para melhorar é mais liberdade de expressão."

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