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A mitologia grega conta a história de Quíron, um ser metade homem, metade cavalo que, ao contrário dos outros centauros, tinha índole boa. Era bom curandeiro e ensinou a Asclépio, o deus da medicina, o uso das poções e das técnicas cirúrgicas. Trabalhava tão bem que as pessoas já não morriam mais. Hades, o lugar para onde as almas iam, estava ficando vazio. Por causa dessa petulância, recebeu dois castigos e um deles foi o de não conseguir reter nada de bom para si. Conquistava algo e logo perdia.

Como curitibano, faz tempo que observo o nosso comportamento e arrisco dizer que somos portadores de um enorme complexo de Quíron. Temos o costume de criar coisas boas para perdê-las para outras cidades com uma facilidade espantosa. Pior: normalmente, elas ficam com a paternidade das ideias aqui geradas. Não temos capacidade para dar prosseguimento, fazer crescer e tirar melhor proveito daquilo que iniciamos.

Vamos recorrer à memória: nos anos 60 o jornalista Aramis Millarchi criou o primeiro festival de cinema do Brasil: o Tribunascope; fizemos alguns, foi um sucesso, e depois esquecemos o assunto, que foi parar em Gramado, Goiânia, Brasília e até em Pirenópolis. Criamos o Festival de Inverno e a bola nos foi roubada por Campos de Jordão e Ouro Preto. O maior e mais prestigiado Concurso de Contos do país, o do Paraná, caiu em esquecimento.

Vimos nosso inovador sistema de transporte de massa ser copiado por Bogotá, que hoje se diz referência mundial no setor e exporta a expertise como se tivesse sido por eles criada. Ao estudar os assuntos da economia criativa, vamos encontrar em outras cidades, como novidade, ações que foram iniciadas em Curitiba há mais de 30 anos.

Em termos de empresas, perdemos algumas, fomos incorporados por outras e recentemente as cabeças de sede de grandes corporações foram para outros estados. Grandes cadeias varejistas locais sumiram e nesta semana uma importante indústria automotiva anunciou que está de malas prontas para o Rio de Janeiro. Nas disputas de atração de novas empresas, nossa eficiência é quase nula se comparada ao que outros estados têm conseguido.

Ninguém fala nada, ninguém faz o mínimo esforço para defender o que temos. Apesar da pujança agrícola, já perdemos terreno para Mato Grosso do Sul e Goiás e, em breve, creio eu, até para Tocantins. Quanto às inovações na área rural, faz muito tempo que não apresentamos nada de inovador.

O Porto de Paranaguá há tempos nos envergonha. Anacrônico, não vai demorar muito e estará disponível apenas para receber caravelas. Como elas não existem mais, vamos ficar literalmente a ver navios. Sem os investimentos e a modernização necessária, vemos as cargas sendo desviadas para os portos catarinenses e para Santos e Vitória.

Já fomos polo moveleiro, abrigávamos grandes indústrias e tínhamos técnicos muito bem preparados; também fomos referência em artes e impressão gráfica. Não fossem alguns resistentes, estaríamos fazendo feio no setor. Nos últimos anos, nossas construtoras e incorporadoras descuidaram da marcação e empresas paulistas entraram de sola no mercado. Já nem mandamos mais nos estilos e no preço dos nossos apartamentos. Perdemos de forma feia também na instalação de faculdades, escolas, hospitais e verbas federais para o Rio Grande do Sul.

No passado, perdemos boa parte do território para Santa Catarina e, por puro descuido político, quase fomos desmembrados. A história nos conta que o poder público estadual, desde a sua instalação, sempre governou voltado de costas para o interior. É como se só existisse Curitiba para administrar. O Paraná se desenvolveu bem porque é fértil, tem boa distribuição de água e sol. Temos tudo de bom, só não temos garra e competência para segurar e defender o que é nosso. Há tempos carecemos de um projeto geopolítico consistente.

É claro que há exceções e que nem tudo está tão mal assim: fazemos boa figura nos setores da educação a distância, na administração de redes escolares particulares e na tecnologia da informação.

Enquanto olhamos o desmanche das nossas conquistas, autoridades se digladiam em disputas mesquinhas e alguns olham o próprio umbigo acreditando estar no melhor dos mundos. Paranaenses e curitibanos não se juntam nem para fazer bolo esportivo.

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